Lukaku venceu a fome e o racismo para brilhar como um dos artilheiros da Copa

Lukaku já tem quatro gols em dois jogos na Copa - PATRIK STOLLARZ / AFP

Descendente de congoleses, o atacante do Manchester United fala português e é uma das esperanças belgas no torneio

no O Globo

Lukaku já tem quatro gols em dois jogos na Copa – PATRIK STOLLARZ / AFP

Apesar dos múltiplos talentos reunidos em um mesmo time, a Bélgica ainda sofre com a desconfiança típica de uma seleção sem tradição de conquistas. Mas, se há um jogador desse elenco acostumado a lidar, e reverter, a desconfiança das pessoas ao redor, esse homem é Romelu Lukaku, que chegou aos quatro gols em dois jogos de Copa do Mundo neste sábado, na goleada sobre a Tunísia por 5 a 2. O centroavante que superou a fome e o racismo na infância, que estreou profissionalmente aos 16 anos, que cumpriu a promessa feita ao seu avô de cuidar de sua mãe, e que venceu uma aposta contra o técnico do sub-19 do Anderlecht.

No início de 2009, Lukaku era reserva da equipe sub-19 do clube belga, prestes a fazer 16 anos, idade de firmar o primeiro contrato profissional. O jovem, então, resolveu propôr uma aposta com o treinador.

— Eu disse para ele “eu garanto algo a você. Se você me colocar para jogar, eu vou fazer 25 gols até dezembro”. Ele riu. Ele literalmente riu da minha cara. Eu disse “se eu vencer, você vai limpar todas as minivans que levam os jogadores para casa depois do treino e fazer panqueca para nós todos os dias”. Foi a aposta mais estúpida que o homem já fez. Eu tinha 25 gols em novembro. Estávamos comendo panqueca antes do Natal, bro. Que sirva de lição. Você não mexe com um garoto que está com fome — escreveu Lukaku em texto para o The Players Tribune, que viralizou na última semana.

A autoconfiança do centroavante não foi um traço que surgiu do nada. Desde criança ele cultivava o projeto de se tornar jogador profissional para, assim, prover uma vida de conforto à família. Essa espécie de pacto com ele mesmo surgiu aos 6 anos, quando sua mãe misturou água ao leite, pois era o único alimento que poderia lhe dar, e a percepção do estado de pobreza daquela família lhe veio à cabeça.

Pouco depois, num telefonema, seu avô, que é congolês, pediu que ele cuidasse de sua mãe. Cinco dias depois, seu avô morreu e ele determinou que cumpriria a promessa. Quando tinha 7 anos, um professor da escola pegou sua bola de futebol, eterna companheira. Ele, então, exigiu a bola de volta, alegando que precisava ganhar dinheiro com o esporte para sua mãe.

“Eu não podia ver minha mãe vivendo daquele jeito. Não, não, não. Eu não aceitaria aquilo. As pessoas no futebol amam falar sobre força mental. Bom, eu sou o cara mais forte que você vai conhecer. Porque eu me lembro de me sentar no escuro com meu irmão e minha mãe, rezando, e pensando, acreditando, sabendo… que um dia aconteceria”, escreveu Lukaku.

Lukaku dando uma cavada para fazer seu segundo gol contra a Tunísia – MLADEN ANTONOV / AFP

Se o talento e a extrema força física eram trunfos para Lukaku, o racismo sempre foi um obstáculo a ser superado. Em seu texto, o jogador narra um episódio, quando tinha 11 anos, em que os pais dos jogadores do time adversário duvidaram de sua idade. Para convencer que não era gato, precisou mostrar seu documento para todos. Mais tarde, quando já era profissional, ele lembra como era o tratamento da imprensa e público em relação às suas atuações:

— Quando as coisas corriam bem, eu lia os artigos de jornal e eles me chamavam de Romelu Lukaku, o atacante belga. Quando as coisas não corriam bem, eles me chamavam de Romelu Lukaku, o atacante belga descendente de congoleses.

O atacante estreou pelo Anderlecht com apenas 16 anos e teve uma ascensão meteórica. Com o sucesso, foi comprado pelo Chelsea, em 2011. A adaptação, porém, não foi fácil, e o belga de 1,91m foi emprestado ao West Brom e depois ao Everton, onde conseguiu grande sucesso. No ano passado, o Manchester United fez um investimento milionário na sua contratação. Definitivamente, Lukaku cumpria sua missão.

Apesar do foco e da força mental evidentes, Lukaku é uma pessoa extrovertida. Nas concentrações, é sempre o responsável peal sua trilha sonora, e os hip-hops dos anos 90 normalmente dão o tom da festa. Outro traço curioso do atacante é o fato de ele falar muito bem português, idioma que começou a aprender no Anderlecht, com os colegas brasileiros. No Chelsea, aproximou-se muito de Willian e David Luiz. Poliglota, ele ainda fala francês, holandês, inglês, espanhol , alemão e o dialeto de sua família do Congo.

Mesmo alto e forte, o belga está longe de ser um daqueles centroavantes desengonçados, e atua bem fora da área. Mas há outro estereótipo do qual Lukaku sofre para se desassociar. No Manchester United, a música dos torcedores para ele, inspirada em “Made of Stone” diz que o atacante tem um “grande pênis”. A canção não foi aceita por parte da sociedade inglesa, principalmente coletivos negros, que acusam a composição de ser racista. O clube já publicou que não toleraria os cânticos nas arquibancadas, e avisou que tomaria medidas para coibi-los.

No ano passado, Lukaku se manifestou sobre isso, disse que entende a boa intenção dos torcedores, mas avisou que “precisamos parar e seguir em frente, todos juntos. Tem que haver respeito um pelo outro”.

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