Maria Clara, a estudante que brigou com o professor da UERJ, fala ao DCM

Maria Clara Bubna é a estudante de Direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) que se envolveu numa briga com seu professor Bernardo Santoro.

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Integrante do coletivo feminista Mulheres do Direito, ela e o grupo se manifestaram contra postagens de Santoro no Facebook. Houve uma nota de repúdio de alunos da UFRJ, outra instituição em que Bernardo Santoro lecionou, e o docente ameaçou processá-la por difamação. A universidade abriu sindicância interna e Santoro pediu demissão.

Santoro procurou o colunista Rodrigo Constantino, da Veja, que publicou sua versão da história. Maria Clara redigiu uma carta aberta publicada no DCM (“Sobre o silêncio ou manifesto pela voz”).

O DCM ouviu Maria Clara Bubna sobre a ameaça de processo de Santoro e as ameaças que ela está recebendo na internet desde que o caso tornou-se público.

O que você mais teme com a repercussão da sua história?

Eu me senti receosa sobre minha integridade física, além de todos os danos emocionais que o stress proporcionou por mais de um mês em silêncio. Mas tenho recebido um amparo muito forte de dezenas de pessoas. Isso, pra mim, foi a melhor coisa que poderia acontecer. Em toda essa história, eu consegui sentir novamente o poder que cada voz possui, a importância de cada contato e cada vivência. A rede de amor que está se moldando é maravilhosa e perceber que as pessoas estão indignadas e dispostas a lutar contra as opressões do machismo. Isso é algo verdadeiramente fantástico.

Qual repercussão você esperava do artigo do professor Bernardo Santoro no blog de Rodrigo Constantino da Veja?

Assim que eu soube que o Rodrigo Constantino havia feito uma matéria sobre o ocorrido, já era possível prever o que vinha. Não dá pra esperar coisa muito diferente de discurso de ódio e incapacidade de consultar o outro lado. Não foi simplesmente interessante para a grande imprensa reproduzir a minha história. O que eu escrevo no meu manifesto não é exatamente o que eles gostam de veicular. Essa foi a primeira vez que eu senti na pele um “jornalista” agir de maneira tão imprudente e parcial com o único intuito de atacar.

Como você resume o comportamento do professor Santoro na UERJ com você? 

Eu não farei afirmações sobre o comportamento dele, embora ele tenha sido o responsável por um dos momentos mais difíceis que eu já enfrentei na vida. A situação que ocorreu entre mim e o professor Bernardo Santoro é um reflexo da tensão social que vivemos. As relações estão cada vez mais abusivas, ao mesmo passo em que as pessoas estão cada vez mais indignadas e não aceitando uma posição de submissão. Mostra o que o sistema faz conosco e como estamos, aos poucos, começando a nos posicionar.

Há espaço para os homens dentro do feminismo? 

Eu acredito que o homem pode ser apoiador do feminismo e seu papel é aprender, com as mulheres, a desconstruir o máximo de machismo que existe. E o homem deve ajudar outros nessa conscientização. Mas não acredito em homem feminista. Não acredito porque, essencialmente, pra mim, todo homem é machista. É utópico falar que não existe homem machista quando o sistema privilegia automaticamente qualquer homem, sendo ele pró-feminismo ou não. Não assediar mulheres na rua ou não agredir mulheres não faz do homem um ser livre do machismo. Ele ainda está acima da mulher dentro da hierarquia do sistema patriarcal. Ele ainda tem mais segurança ao andar na rua sem sentir medo de ser violentado sexualmente por simplesmente ser homem . Reconhecer isso é muito importante no processo de desconstrução e apoio ao movimento. É importante que o feminismo seja um movimento seguro para as mulheres, onde elas não sejam silenciadas e nem apagadas pelo protagonismo masculino. O feminismo, pra mim, é um espaço de empoderamento feminino, onde a voz da mulher deve ser valorizada ao máximo. A sociedade inteira já valoriza tremendamente a liderança masculina. O feminismo deve cuidar para que o protagonismo feminino seja garantido.

Quais foram as piores ameaças que você sofreu?

A ameaça de “estupro corretivo” de um desconhecido foi a que mais me chamou atenção. Além disso, recebi questionamentos como “seu pai tem orgulho de você?” e afirmações de que eu não era “mulher de verdade”. Além dos triviais xingamentos misóginos: “Vadia caluniadora”, “piranha retardada” e expressões similares. Todas as palavras ditas pra mim vieram de homens. Alguns eram de perfis fakes na internet, mas outros usaram seus dados pessoais sem nenhuma vergonha, freio ou receio. Essas pessoas realmente acham que podem invadir o espaço de alguém e oprimir, agredir, ameaçar. Mesmo inserida no feminismo desde os 16 anos, tudo isso me chocou muito. A reprodução da violência machista é encarada com naturalidade nos meios virtuais, o que é assombroso.

O professor de fato abriu um “processo por difamação”?

Ainda não recebi nenhuma intimação.

Sobre o Autor

Escritor, jornalista e blogueiro. Atualmente escreve sobre tecnologia e games no site TechTudo. Teve passagem pelo site da revista EXAME. Formado em jornalismo pela Cásper Líbero, estuda filosofia na FFLCH-USP.

Fonte: DCM

 

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