Mas há racismo no Brasil?

Apesar da herança africana no Brasil, escritor brasileiro Luiz Ruffato, que já definiu o país como “paradoxal”, diz que no país o racismo vincula-se ao preconceito de classe.

Por Tainã Mansani Do DW

Quando, em 2013, o escritor brasileiro Luiz Ruffato definiu o Brasil como “ora exótico e paradisíaco, ora execrável e violento”, causou polêmica na abertura da famosa Feira do Livro de Frankfurt na Alemanha. O escritor falava sobre a desigualdade social em seu país que, segundo ele, também é vinculada ao racismo.

Apesar do legado africano estar na cultura, na música e na cor da população brasileira, o preconceito da cor de pele ainda é vinculado à origem social. Isso também explica porque os refugiados africanos são discriminados por sua cor num país onde acredita-se haver “democracia racial”.

A africanista alemã Karin Sekora, curadora da exposição “Afrikas Erbe in Brasilien” (O Legado da África no Brasil), atualmente aberta ao público na emissora Deutsche Welle, em Bona, na Alemanha, explica que conceito de “democracia racial” – harmonia entre brancos e negros no Brasil – é apenas um mito. O termo foi cunhado pelo intelectual brasileiro Gilberto Freyre, no anos 30.

“Com o termo esconde-se  a brutalidade da escravidão no Brasil, tão brutal quanto em outros países. A mistura considerada “harmônica” entre as raças foi apenas parcial. Isso porque os senhores brancos da época colonial podiam até ter relações com as escravas negras, mas para casarem-se escolhiam as brancas”, explica Sekora.

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Preconceito de cor e origem social

Para o escritor brasileiro Luiz Ruffato, o preconceito baseado na cor da pele vincula-se ao preconceito de origem social no Brasil. “a maioria da população, que ganha pouco, que mora na periferia e que não tem acesso a educação e à saúde, é negra. É afro-descendente”, explica.

Os refugiados africanos são por isso mais suscetíveis ao preconceito e ao racismo que se manifesta neste país, onde a cor da pele é com frequência associada à origem social. “Se você é um refugiado muçulmano, sírio, árabe – ainda assim, no Brasil, você é branco”. Embora haja dificuldades, essas serão “menores daquelas enfrentadas pelos refugiados do Haiti ou da África”, explica Ruffato.

“Há uma dificuldade a mais para alguém que tenha a pele negra no Brasil. Seja brasileiro ou seja estrangeiro refugiado”. Ruffato é neto de imigrantes italianos que foram para o Brasil; segundo ele, não porque queriam ir, mas pela falta de opções económicas em seu país de origem.

Ruffato diz que já foi criticado por ser um escritor branco a falar do preconceito contra afro-descendentes, mas defende que essa questão pode ser assumida por qualquer pessoa que seja contra o

Escravidão no Brasil e nos EUA

Segundo a africanista Karin Sefora, há diferenças históricas entre a escravidão de africanos no Brasil e nos EUA. Entre os norte-americanos, o fim da escravidão foi marcado pela “identidade negra” muito mais presente; já no Brasil buscou-se sistematicamente incentivar a imigração branca europeia para “embranquecer” a população, embora tenha havido discriminação em ambos países.

E essa discriminação manifesta-se até hoje no Brasil, reitera o crítico escritor Luiz Ruffato. Pois, segundo ele, a herança africana no Brasil “é assumida apenas quando interessa, para mostrar ao mundo que somos uma sociedade de multirracial”.

O racismo é um dos maiores problemas de nossa civilização, diz o escritor brasileiro, pois está ancorado em valores da civilização greco-romana branca que sempre sustentou a visão de que outras civilizações seriam bárbaras, “uma herança equivocada, mas que perdura”, diz.

“É assim na Europa, super civilizada. É assim nos EUA. É assim por todo lugar”, diz Ruffato. Embora sejamos todos, de algum modo, africanos: “esquecemos que somos todos –  sem exceção – descendentes de homens e mulheres que vieram da África”, conclui o escritor.

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O sonho de todos os migrantes é o mesmo

Vendedores ambulantes do Senegal no bairro Sarandi em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Óculos de sol são vendidos a preços baixos. No Brasil podem ganhar três ou até quatro vezes mais do que no seu país de origem. O sonho deles é o mesmo dos imigrantes alemães, italianos e poloneses, que chegaram há quase dois séculos em terras gaúchas: trabalhar e viver em paz no Brasil.

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Senegaleses são maioria entre os africanos

A Associação dos Senegaleses de Porto Alegre tem cerca de 200 membros. A sede da associação fica na zona norte da cidade, em um apartamento, onde há reuniões e orações em conjunto. Em 2014, mais de mil senegaleses pediram refúgio no Brasil. O refúgio só é concedido quando há provas de perseguição política, étnica ou religiosa.

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Convívio entre os migrantes senegaleses

Duas vezes por mês, na cidade de Porto Alegre, dezenas de imigrantes senegaleses se reúnem nesta “mesquita” improvisada em um apartamento para realizar suas orações. Em dezembro, a comunidade senegalesa comemora a festividade religiosa “Grand Magal Touba”, entoando cantigas e poemas escritos pelo líder muçulmano senegalês Cheikh Ahmadou Bamba.

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Comunicação com a família

O imigrante Omar Doingue fala todos os dias pela Internet com familiares em África, a partir de Porto Alegre, onde vive há poucos meses. A maioria dos senegaleses no Brasil é de classe média urbana, muitos têm ensino médio ou superior. Mesmo assim, em muitos casos, acabam por se dedicar ao comércio informal.

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Rapper angolano faz sucesso no Brasil

Geraldino Canhanga do Carmo da Silva, conhecido como o rapper “Kanhanga”, nasceu na cidade do Lobito, em Angola. Escolheu a cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, para estudar e seguir a carreira de músico. Vive no Brasil desde 2005 e denuncia, através da música, o racismo e a descriminação de que os negros são alvo.

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Cantar contra a discriminação

Na foto, o rapper angolano canta para população no centro de Porto Alegre. Kanhanga diz ter sido vítima de discriminação quando, em 2014, foi preso por engano. Numa canção, o músico angolano afirma: “Tira as algemas de mim, tira as algemas de mim, polícias racistas bem longe de mim”.

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Guineense chamado de “macaco”

Francisco Ialá, natural de Bissau, vive em Porto Alegre desde junho de 2005. Já foi vítima de racismo e chamado de “macaco” quando morava em uma República de Estudantes. “Depois de formado, vou cursar mestrado em Direito Internacional e lutar por justiça aqui (no Brasil) e no meu país”, disse.

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Não saiu sem ser atentido pelo governador

Em protesto contra o racismo, o guineense Francisco Ialá permaneceu durante horas em frente ao Palácio Piratini, sede do governo do Rio Grande do Sul. O objetivo era ser atendido pelo governador José Ivo Sartori (à direita na foto). Depois de passar um dia inteiro em frente ao Palácio, finalmente Francisco logrou seu objetivo.

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Aulas para crianças carentes

Além de estudar Direito, Francisco Ialá treina judô, pelo menos quatro vezes por semana, na cidade de Porto Alegre. O imigrante guineense dá aulas a crianças e jovens carentes. O exercício se tornou um aliado na luta pela inclusão social de pessoas em situação de vulnerabilidade.

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Trabalho voluntário

“Chico”, como Francisco Ialá é chamado pelos alunos, trabalha voluntariamente em uma escola pública localizada na zona norte de Porto Alegre. O guineense ensina, pelo menos duas vezes por semana, a disciplina de Direitos Humanos em Educação para as crianças.

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Auxiliar em vez de enfermeiro

O enfermeiro Moussa Sene, de 34 anos, é natural de Rufisque, Senegal. Veio para o Brasil em março de 2014 com a esperança de exercer sua profissão. Atualmente, Moussa tem trabalho oficial com carteira assinada, conforme as leis brasileiras do trabalho. No entanto, trabalha como auxiliar de serviços gerais em uma distribuidora de refrigerantes em Sapucaia do Sul, Rio Grande do Sul.

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Remessas para ajudar a família em África

O senegalês Moussa Sene vive num quarto alugado numa pensão na cidade de Novo Hamburgo, 40 km ao sul de Porto Alegre. Paga mensalmente 300 reais (68 euros) pela hospedagem e envia para o Senegal cerca de 600 reais (136 euros) para o sustento de sua família. Moussa é casado, tem dois filhos e sonha em trazer a família para viver no Brasil.

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Manter os costumes religiosos

Mesmo distante de casa, Moussa Sene mantém as tradições. Como muçulmano fiel, o senegalês reza cinco vezes por dia. Guarda um exemplar do livro sagrado dos muçulmanos, o Alcorão, no seu quarto.

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Promessas não cumpridas

Em outubro de 2015, o enfermeiro senegalês ficou conhecido nacionalmente por salvar a vida de uma passageira dentro de um trem em São Leopoldo, Rio Grande do Sul. A idosa teve um mal súbito e desmaiou. Moussa socorreu a vítima. Após o episódio, várias promessas de trabalho em hospitais e clínicas surgiram, no entanto nada foi concretizado. Moussa segue sua batalha por um trabalho de enfermeiro.

 

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