‘Me chamar de ‘viado’ não é ofensa. Tomar 4 tiros, sim’, diz vítima de homofobia na Bahia

Jovem levou quatro tiros após beijar rapaz em bar de Camaçari, na região metropolitana de Salvador (BA), no último domingo (20).

Do HuffPostBrasil

“Me chamar de ‘viado’ não é ofensa. Tomar 4 tiros, sim. Uma dor irreparável, além de física, emocional e psicológica. Não sei como será de agora em diante, não sei se serei mais o mesmo.”

A frase acima é do jovem Marcelo Macedo, de 33 anos, que levou quatro tiros após beijar um rapaz dentro de um bar em Camaçari, sua cidade natal, na região metropolitana de Salvador, Bahia. O caso aconteceu no último domingo (20). Nesta sexta, ainda em recuperação, ele publicou um relato emocionante em seu perfil do Instagram sobre o ataque que sofreu.

Em seu texto, ele agradece o apoio que vem recebendo de amigos e familiares na última semana e ressalta que este carinho é o que o motivou a se manifestar publicamente após ter vivido o que chamou de “um verdadeiro filme de terror”.

″É difícil acreditar que as pessoas são agredidas tão cruelmente e de maneira tão covarde pelo simples fato de demonstrar afeto. É triste. Dói”, escreve. “Nem no meu pior pesadelo eu imaginei que um dia pudesse ser tão violentado. Ver a morte de perto é assustador.”

O jovem estava em um bar no bairro Inoccop e teria trocado um beijo com seu companheiro quando um outro homem, que não teve sua identidade divulgada, se aproximou e fez comentários homofóbicos. Após a discussão, o homem sacou uma arma, disparou contra a vítima e fugiu em seguida. O caso está sendo investigado como suposto crime de homofobia pela Polícia Civil.

Atingido em um dos braços, nas costas e no abdômen, Marcelo foi socorrido e levado ao Hospital Geral de Camaçari (HGC). As lesões comprometeram baço, fígado e rins. Nas redes sociais, o jovem publicou uma foto em que exibe os curativos dos procedimentos e diz que, quando sentiu o que estava acontecendo “entrou em estado de choque”.

“Não lembrava de muita coisa. Ao abrir os olhos e me dar conta do que estava acontecendo, entrei em estado de choque, mas por incrível que pareça, o hospital é o meu lar agora, é o lugar onde me sinto seguro, protegido, em paz.”

A Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDHDS), por meio de nota à imprensa afirmou repudiar o ataque e disse estar monitorando o caso por meio Superintendência de Direitos Humanos e da Coordenação LGBT e também da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA).

“Fatos como este devem ser investigados e punidos exemplarmente. Lembramos ainda que, desde junho de 2019, por decisão do Supremo Tribunal Federal, a homofobia é crime. Os ministros do Supremo determinaram que a conduta passe a ser punida pela Lei de Racismo (7716/89), que hoje prevê crimes de discriminação ou preconceito”, diz a nota da Secretaria.

Em entrevista ao G1, a delegada que investiga o caso, Thais Siqueira, disse que Macedo confirmou que o crime teve como motivação sua orientação sexual. Segundo Siqueira, ele teria afirmado que, no momento da discussão, foi agredido por várias pessoas e caiu. Ao se levantar, foi alvejado com os tiros.

Macedo afirma que ainda não há previsão de alta em seu post e que teme por seus familiares, já que o homem que o atacou está solto.

“Sua cara [do agressor] não está estampada em todos os jornais estando tão vulnerável como eu me encontro agora, botando a cabeça no travesseiro deitado na cama da sua casa e dormindo todos os dias tranquilamente”, escreveu. “Esse medo que estou sentindo, irei carregar até o fim dos meus dias. Só peço proteção para mim e toda a minha família.”

Segundo o jornal Correio da Bahia, três suspeitos foram identificados. Dois se apresentaram na delegacia na última quarta-feira (23), e o terceiro não foi localizado. De acordo com o Correio, os três foram reconhecidos pelas imagens das câmeras de segurança que funcionavam no bar onde houve o crime. A suspeita é de que um deles seja um policial. Os nomes não foram divulgados.

Violência contra a população LGBT no Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em junho deste ano, que a LGBTfobia deve ser equiparada ao crime de racismo. (YURI ALEXANDRE VIA GETTY IMAGES)

De acordo com o Atlas da Violência do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), cresceu 10% o número de notificações de agressão contra gays e 35% contra bissexuais de 2015 para 2016, chegando a um total de 5.930 casos, de abuso sexual a tortura.

Canal oficial do governo, o Disque 100 recebeu 1.720 denúncias de violações de direitos de pessoas LGBT em 2017, sendo 193 homicídios. A limitação do alcance do Estado é admitida pelos próprios integrantes da administração federal, devido à subnotificação e falta de dados oficiais.

Por esse motivo, os levantamentos do Grupo Gay da Bahia, iniciados na década de 1980, se tornaram referência.

Em 2018, a organização contabilizou 420 mortes de LGBTs decorrentes de homicídios ou suicídios causados pela discriminação. O relatório “População LGBT Morta do Brasil” mostra, ainda, um aumento dos casos desde 2001, quando houve 130 mortes.

O grupo divulgou nova pesquisa que aponta 141 vítimas entre janeiro e o dia 15 de maio deste ano. De acordo com o relatório, ocorreram 126 homicídios e 15 suicídios, o que dá uma média de uma morte a cada 23 horas por homofobia.

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em junho deste ano, que a LGBTfobia deve ser equiparada ao crime de racismo até que o Congresso Nacional crie uma legislação específica sobre este tipo de violência. Pena é de até 3 anos e crime será inafiançável e imprescritível, como o racismo.

 

 

Leia Também:

Jovem agredido ao sair de balada no ABC sai do coma e grava vídeo: ‘Estou bem’

Uganda desiste de aplicar pena de morte para homossexuais

Maioria do STF vota por enquadrar homofobia como crime de racismo; julgamento é suspenso

-+=
Sair da versão mobile