Médico nefrologista faz ataques verbais à mulher preta durante consulta

Corretora de imóveis registou a queixa em boletim de ocorrência e caso está sendo considerado como “injúria”

FONTEKatia Mello - katiamello@geledes.org.br
Clínica AmorSaúde SP Vila Andrade, na Zonal Sul de São Paulo - Imagem: Google Maps

A corretora de imóveis Virgínia Tomaz de Agostinho, de 65 anos, caiu no choro ao chegar em casa após passar por uma consulta com um médico nefrologista. “Ao sair da clínica, eu não conseguia nem falar sobre os sentimentos que estava sentindo. Fui muito humilhada. Saí desnorteada, até sem saber onde eu estava”, disse ela a Geledés.

Eram cerca de 13h30 da quarta-feira, 25, quando Virgínia, e sua amiga, a artesã Angela Sansone, de 70 anos, foram atendidas pelo médico nefrologista Dr. Aron Saul Mizrahi, na Clínica AmorSaúde SP Vila Andrade, na Zonal Sul de São Paulo.

“Estava tendo problemas de pressão, fiz todos os exames e os resultados de sangue apareceram alterados, com perda da função renal. O clínico, então, pediu uma consulta imediata com um nefrologista”, relata Virgínia ao explicar o motivo da consulta.

Mas qual não foi sua surpresa que ao chegar à sala do médico, antes mesmo de elas se sentarem, foram recebidas com a seguinte pergunta: “Vocês são um casal, né?”. Sem entender a indagação, Virginia perguntou: “Como, doutor?”. E ele insistiu: “Vocês são um casal, né?”. “Não doutor, ela é minha amiga e veio me acompanhar”, disse. “E se fôssemos mesmo um casal? Isso não é da conta dele”, disse ela a Geledés.

Virginia relata que então entregou os exames ao nefrologista e perguntou a ele o que deveria fazer para sanar seus problemas, inclusive perguntou sobre suas dores no abdômen e a variação de pressão. Explicou também a ele que a demanda de um nefro foi feita por um clínico. Mas ao verificar os exames, como conta ela à reportagem, Dr. Mizrahi teria proferido: “Aqui não tem jeito mesmo! Se você ainda tivesse 17 anos, mas com sua idade. Bebe, fuma”.

E o médico prosseguiu com as ofensas. Ao perguntar o peso de Virgínia e ao receber a resposta de que ela tinha 110kg, ele a desacreditou: “ahh você não tem 110 kg!”, dando a entender que seu peso era bem maior.

O nefrologista ainda discorreu sobre alimentação e indicou que a corretora deveria parar de comer carne. E nessa conversa, disparou: “Você sabe o que é bovino, você já ouviu falar em frango?”, indagou em forma de deboche. “Quando ouvi isso, fiquei tão nervosa. Ele falou comigo como seu eu fosse uma pessoa completamente ignorante”, lembra ela.

E no momento em que se levantou para deixar o consultório, o médico olhou para sua barriga e disse: “Olha que gorda. Você tá é gorda!”. E a aconselhou a ir a pé do consultório, na Zona Sul, para a Barra Funda, na Zona Oeste, onde ela mora. “Eu sei que eu sou gorda, que eu preciso emagrecer, mas fui lá porque estou doente. E cabe ao médico me tratar dessa forma?”, pergunta ela indignada.

A amiga também se irritou, mas na hora resolveu não contestar o médico, temendo que Virgínia tivesse um problema de pressão. “Eu me senti muito constrangida. Fiquei muito nervosa, mas não quis responder nada porque não queria atrapalhar a consulta e Virgínia estava aturdida. Chorou muito depois”, conta Angela.

Os relatos acima constam do boletim de ocorrência que foi realizado por ambas nesta sexta-feira, 27, no 23º. DP, em Perdizes, São Paulo. Virgínia afirma que foi muito bem tratada na delegacia e que o escrivão inclusive parabenizou sua coragem pela denúncia, ao afirmar que raramente os médicos são denunciados.

O caso de Virgínia foi protocolado como “injúria”, crime previsto no artigo 140 do Código Penal, que ocorre quando uma pessoa profere a outra um xingamento, contendo algo desonroso ou ofensivo, atingindo a sua dignidade, honra e moral.

A reportagem procurou nesta sexta-feira o Dr. Mizrahi, na Clínica AmorSaúde SP Vila Andrade, mas o atendente que se identificou como Cauã disse que ele não trabalha lá desde a semana passada. Ao ser informado sobre a consulta de Virgínia nesta semana com o médico, o funcionário mudou a versão e disse que ele não trabalha lá desde esta quinta-feira, 25. Depois solicitou que as perguntas fossem endereçadas à clínica por e-mail, mas, ao enviá-las, o acesso da repórter foi bloqueado.

Geledés identificou também que há reclamações sobre o médico no site ReclameAqui. “Estive hoje numa clínica da AmorSaúde na unidade da Vila Andrade, na Rua Catuti, 75, para uma consulta com o nefrologista Dr. Aron Saul Mizrahi. Fui muito mal tratado pelo médico, me senti constrangido com suas piadas de péssimo gosto, racistas”, afirma o reclamante no site.

Paciente do Dr Mizhari faz queixa no site Reclama Aqui acusando- o de maus tratos e racismo

Há também um processo de 2023 da Justiça Pública contra o Dr. Mizrahi. por maus tratos. Com o CRM do médico, a reportagem acionou o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), que informou por meio de nota que “o referido médico não possui denúncias protocoladas neste Conselho”.

Processo da Justiça Pública contra o Dr Aron Saul MIzhari por maus tratos

-+=
Sair da versão mobile