Medo

(Foto: Marcus Steinmayer)

Eles, os terroristas, estão nos vencendo!

Por Sueli Carneiro

O crescimento do racismo, da xenofobia e da intolerância religiosa é sem dúvida a primeira conseqüência dos atentados a Nova York e a Washington. Eles contam com isso por ser fonte de toda sorte de turbulências.

Já começou com os muçulmanos. Ameaça avançar sobre os árabes em geral, e gradualmente atingir a todos os não considerados suficientemente ocidentais, na cor ou nas crenças. Um brasileiro confundido com árabe é brutalmente espancado por jovens norte-americanos. Um detalhe trágico a mais: a maioria dos agressores são afro-americanos.

Enredaram os EUA numa cilada inescapável como denominam alguns analistas: obrigando-o a operar nos termos por eles definidos. Á guerra América, conclamam os que não tem nada a perder! Arrastar a maior potência do mundo para um conflito militar de conseqüências imprevisíveis é, sem dúvida, um grande feito dos terroristas.

Apostam que a crise por eles desencadeada, venha a abalar a maior economia do mundo; provocar a desordem econômica e recessão mundial; levantar e unificar o mundo muçulmano em torno da jihad e desestabilizar governos árabes pró-ocidente.

Sabem da necessidade pós-atentado, de aperfeiçoamento da segurança interna nos EUA, o que já se desdobra em limitação das liberdades civis, em restrição da liberdade de ir e vir, no aumento do controle e vigilância do indivíduo pelo Estado que, se aceitas sob o impacto do medo pelo horror vivido, podem ser novas fontes de conflitos sociais no médio prazo. Levar um país considerado o paradigma das liberdades civis a limitá-las, é outro grande sucesso dos terroristas.

Eles estão nos vencendo. Não porque foram capazes de matar milhares de inocentes o que é a simples expressão de sua indigência humana. Nem pela destruição de símbolos do poder econômico e militar da América. Ela pode reconstruí-los. Mas talvez, o bem maior que esteja sendo atingido seja o próprio “espírito” da América aquilo de melhor que ela ofertou ao mundo: um apreço inigualável pelas liberdades democráticas. Legislações draconiana estão sendo aprovadas: Quem diria? Pena de morte instituída em NY; liberada a prática de “racial profiling”, que permite que policiais parem e interroguem suspeitos baseados apenas em seu aspecto físico, caminho aberto para a instituição do ódio racial em política de Estado. De volta aos tempos do Jim Crow, á legitimação do racismo, o pecado original da América como nomina o filósofo Appiah? Pilotos americanos pedem ao Congresso a aprovação de leis que lhes permitam a utilização de armas nos vôos. Rumo à militarização do cotidiano? Se pode nos EUA imagine, com nossa tendência à imitação, o que pode ocorrer em nossas “repúblicas das bananas” ?

O compreensível, porém nem por isso menos espantoso, consenso da sociedade norte-americana pela retaliação militar aos atentados, pode conduzir, á reedição de uma nova modalidade de macartismo para as poucas vozes dissonantes, e à redução do espaço da análise crítica em prol do consenso necessário para a guerra.

Assim sendo, o que a tragédia provocada pelo terror coloca como desafio, é mais do que reconstrução de símbolos de poder, ou a construção de um Estado policial inviolável. É a reapropriação dos valores fundamentais que tornaram os EUA a grande nação que é. A inviolabilidade da nação americana será proporcional à sua capacidade de usar o seu extraordinário poder e a sua liderança mundial, para extirpar do mundo os fatores que alimentam o ódio contra si e a seus cidadãos. E ser capaz, de atuar decididamente, sobre as causas que instabilizam o mundo contemporâneo, sendo o agente fundamental na construção de um mundo mais justo, mais generoso e solidário em que todos possamos nos sentir “em casa” como sonhava Hannah Arendt. Esse é o sentido único da luta do bem contra o mal e da justiça infinita. Essa é a fórmula mágica de assegurar aos EUA e ao mundo a paz e uma liberdade duradoura que todos almejamos.
Queremos os terroristas, emissários da morte e da destruição, presos, julgados e condenados, como exemplo da diferença entre civilização e barbárie para as gerações vindouras. E também peremptoriamente não queremos a guerra. E sim paz! Esse é o desejo da opinião pública em nível mundial.

Uma voz isolada Barbara Lee, a deputada negra da Califórnia insiste: “alguns de nós precisamos mostrar controle, moderação. Estou convencida de que a ação militar não irá prevenir atos futuros de terrorismo internacional contra os EUA.”

Contra o terror, uma nefasta escalada militar sobre povos e nações poderá ser realizada até que o horror dos escombros, a exposição de outras incontáveis vítimas e da tenebrosa face da irracionalidade humana com toda a violência que pode produzir se manifeste, em toda a sua dramaticidade, para que enfim, o choque pela adesão à barbárie, nos reconduza quiçá, de volta ao território da razão.

Do lado do terror, a ausência de tecnologia competitiva será respondida com a conspurcação da teologia. Ambas, tecnologia e teologia, impulsionadas para a guerra se degradam com os danos previsíveis para o mundo.

O fundamentalismo religioso terrorista está convertendo o mundo á sua imagem e semelhança, tomando em vão o santo nome de Alá, O Misericordioso.

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