Meninos de Belford Roxo: ‘Sentimento de ódio, de revolta, de tristeza. Não conseguimos dormir direito’, diz parente após encerramento do inquérito

Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), que investigou o caso, apontou execução e tortura das crianças

FONTEPor Larissa Medeiros, do O Globo
Montagem com as fotos dos três meninos desaparecidos no dia 27 de dezembro, em Belford Roxo. (REPRODUÇÃO / FACEBOOK)

Ódio, revolta e tristeza descrevem o sentimento de uma parente de um dos meninos desaparecidos em Belford Roxo, o Lucas Matheus, de 9 anos. Nesta quinta-feira, a Polícia Civil concluiu o inquérito que investigava o caso. O documento apontou para a morte de Lucas, do primo Alexandre da Silva, de 11 anos, e do amigo Fernando Henrique, de 12.

— Meu sentimento ao saber do que tinha acontecido foi de ódio, de revolta, de tristeza. Nós dormimos pouco ontem. Não conseguimos dormir direito. Ficamos sem chão. A gente não queria acreditar. Agora, a gente sabe que as crianças não voltam mais — lamenta a parente, que preferiu não ser identificada por medo de perseguição.

O inquérito da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), que investiga o caso, foi concluído 17 dias antes do caso completar um ano. Segundo a investigação, um dos meninos foi torturado até a morte e os outros dois foram executados. Os corpos foram jogados em um rio próximo à região. De acordo com os policiais, traficantes do Complexo do Castelar, onde moravam, submeteram os meninos a uma sessão de tortura por terem se envolvido no furto de uma gaiola com passarinho.

— A gente fica sem entender. Se eles tivessem feito algo de errado, por que não falaram com os pais? Familiares? O que fizeram foi uma crueldade — questiona.

Na quinta-feira, a Polícia Civil deflagrou uma operação para cumprir 56 mandados de prisão expedidos pela Justiça. Deste total, 51 são de envolvidos com a estrutura do tráfico do Castelar, e cinco ligados aos homicídios. Ao todo, 33 pessoas foram presas. Dos cinco suspeitos de envolvimento na morte dos meninos, três já estariam mortos. São eles Wiler de Castro Silva, o Stala, gerente de drogas do Castelar,  Ana Paula da Rosa Costa, a tia Paula, gerente de cargas sintéticas, e José Carlos dos Prazeres Silva, o Piranha, um dos chefes do tráfico do Complexo Castelar.

— Agora, nossa busca é pelo corpo. Queremos saber onde eles estão. Vamos fazer uma passeata dia 27 deste mês, na comunidade. Vamos todos nós branco, com cartazes, pedindo pelo menos um pouco de paz — diz a parente.

Telefonemas detalham tortura

Em um telefonema, feito durante uma operação policial no Castelar e que foi grampeado pela polícia com autorização judicial, em maio, um dos traficantes deu detalhes da tortura sofrida pelos três meninos. Ao comentar uma notícia exibida na TV, dando conta que um deles era suspeito do crime, o outro respondeu com ironia. “E tu não quis nem bater, né?”, disse na conversa. Já em outro diálogo interceptado, desta vez entre um homem e uma mulher, esta última diz que foi Stala quem torturou os meninos. “O Stala torturou muito as crianças. Foi ele quem mandou matar”, disse a mulher, durante a conversa.

A partir das duas informações (depoimento e grampos), a Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF) conseguiu identificar cinco pessoas envolvidas no triplo assassinato e uma sexta, suspeita de dar sumiço aos corpos dos três garotos, que continua em liberdade.

— A partir de maio conseguimos fazer uma análise de inteligência de áudios interceptados. Tivemos um total de 71 testemunhas ouvidas. Testemunhas-chaves foram essenciais. Uma delas, ouvida em maio, contou ter escutado  uma conversa onde o Stala dizia para outro traficante ter matado as crianças porque (elas) roubaram uma gaiola de passarinho. A testemunha disse que o Stala ainda alegou para o outro homem que teve autorização do Doca (Edgar Alves Andrade, integrante da cúpula de uma facção criminosa) e do Piranha (José Carlos dos Prazeres Silva, um dos responsáveis pelo tráfico do Castelar) para cometer o crime — explicou o delegado Uriel Alcântara, da DHBF, durante uma coletiva sobre o caso, na Cidade da Polícia, no Jacaré, na Zona Norte do Rio.

Além de Doca, Piranha e Stala, também estariam diretamente envolvidos nas mortes dos meninos, a traficante Ana Paula da Rosa Costa, a tia Paula, e um quinto homem que já está preso e não teve o nome divulgado.

Cronologia das mortes

1 – Pouco depois das 13h, do dia 27/12/2020, Lucas Matheus da Silva, de 8 anos, o primo dele Alexandre Silva, de 10, e Fernando Henrique Ribeiro Soares, de 11, saem pelo buraco de um muro de um condomínio, localizado no Complexo do Castelar,  em Belford Roxo, na Baixada Fluminense. Eles levam duas gaiolas com pássaros para ir a uma feira, no Bairro Areia Branca. Uma delas teria sido furtada de um tio do traficante Wiler Castro da Silva, o Stala , um dos gerentes do comércio de drogas do Castelar

2- Às 13h39, uma câmera de segurança flagra os meninos a caminho da feira de Areia Branca, que fica a uma distância aproximada de 1,5 quilômetros do Complexo do Castelar. Nas imagens, os garotos já estão sem gaiolas e pássaros. A polícia não sabe se as crianças venderam as aves a caminho da feira ou se as guardaram em algum lugar

3- Os meninos chegam à feira por volta das 14h. No fim da tarde, eles retornam para o Castelar e são capturados por traficantes.

4- Levados para um beco, os meninos são torturados na presença do traficante Stala. Durante o espancamento, uma das crianças não resiste e morre. Os traficantes então decidem  matar também as outras duas vítimas.

5-  Gerente de cargas sintéticas do Complexo Castelar, e com grande influência no tráfico por ter relação de intimidade com o traficante José Carlos dos Prazeres Silva, o Piranha, um dos donos do comércio de drogas do local,  Ana Paula da Rosa Costa,  a tia Paula, chama um homem para retirar os corpos da comunidade.

6 –  O homem transporta os corpos dos três garotos em um carro e os joga em um rio que corta o município.

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