Mil faces de um Racismo “Inexistente”

A negação da tensão racial no Brasil é sistemática a despeito de suas diferentes formas de opressão

Por Vinicius Martins Do Alma Preta

O racismo no Brasil permeia o espaço social e atinge o povo preto de forma inquestionável. Está em todo lugar, e mesmo que disfarçado pela inexistente democracia racial brasileira, é capaz de distorcer a visão objetiva da realidade tanto de negros quanto de brancos, ainda que de formas distintas. Oprimido e opressor são afetados de diversas maneiras pelo mesmo problema. Mas, afinal, o que é racismo?

Trata-­se de um sistema de opressão contra um povo ou etnia apoiado em um aspecto biológico, capaz de estabelecer uma hierarquia social. É a partir dessa definição que o livro “O que é Racismo?”, de Joel Rufino dos Santos, aborda didaticamente a temática do racismo.

Longe da linguagem extremamente científica, e de forma coloquial em alguns momentos, o texto contém exemplos simples e objetivos para explorar o problema e suas consequências. Ele mostra diferentes faces do racismo em situações que vão desde o dia-a-dia até questões históricas. Joel Rufino também faz sua analise pela ótica das populações negras provenientes da diáspora africana no colonialismo europeu.

A principal motivação do racismo é o medo. Um grupo teme aqueles que são diferentes de seus semelhantes. O autor classifica como “uma ideia negativa a respeito do outro, nascida de uma dupla necessidade: se defender e justificar a agressão”.

O quadro mais latente na obra é o racismo no Brasil. A estrutura social brasileira é predominantemente racista e excludente. As condições financeiras e materiais estão intimamente ligadas com a questão da cor. No livro, a perspectiva histórica oferece recursos para compreender a relação do racismo com o sistema econômico atual, o capitalismo.

“Outra coisa que compreendemos melhor hoje: a divisão mundial do trabalho condenou uns países a produzirem artigos caros: objetos, tecnologia, ciência…; outros, a produzirem artigos baratos, matérias primas, alimentos, seres humanos… A cor encaixou-­se nesta divisão como luva: os primeiros eram brancos, os segundos, de cor”, aponta Joel Rufino dos Santos em seu livro.

O fim da escravatura no Brasil foi um processo controlado. Obedeceu às condições da elite branca, controladora do processo de formação do Estado brasileiro. Ao fim da transição, a população negra foi liberta da escravidão mas não do racismo e da diferença de classe. Sem nenhuma reparação ou auxílio, os negros foram soltos à revelia e marginalizados pelos valores sociais da época.

Justificados pelo pensamento científico daquele tempo, esses valores racistas desenharam a imagem de inferioridade do negro. Ao mesmo tempo, afirmaram a suposta superioridade branca enquanto ser humano.

O Estado brasileiro, recém transformado em República, passava pelo processo de construção da identidade nacional. Os negros eram vistos nesse plano como a raça inferior, capazes de prejudicar o progresso da nação. Dá-se início às políticas de branqueamento no país. Milhões de imigrantes europeus são trazido ao Brasil para branquear a população.

Esquecidos pelo Estado e sob o discurso da democracia Racial (Gilberto Freyre), a população negra foi marginalizada enquanto portadora de direitos. Criou-­se a falsa ideia de que as diferentes raças que formam o país conviviam harmoniosamente, sem conflitos ou diferenças. Soma-se a esse quadro a apropriação cultural do Estado sob a cultura negra, de forma que valores, costumes e práticas culturais oriundas dos povos negros brasileiros fossem usadas para construir uma falsa participação do negro no espaço democrático nacional.

De acordo com Joel dos Santos, “o brasileiro acha que falar no problema [do racismo] é subversão. (…) O mito da “Democracia Racial”, é uma forma brasileiríssima, bastante eficaz, de controle social”. Tão grande é esse controle que apenas em 1988, cem anos após o fim da escravidão, o crime de racismo foi incluído na Constituição Federal.

Nesse sentido, podemos observar a sistemática negação da ótica estrutural do problema dentro dos meios de comunicação, por exemplo. Apesar de subjulgar metade da população do país, os monopólios de mídia da elite abordam o racismo de forma pontual e descolada da realidade social brasileira.

O autor destaca que esse comportamento cria dois mundos. Um imaginário, que nega a questão racial e seus desdobramentos. E outro real, diretamente ligado ao cotidiano da população negra no país.

Peça importante para entender a questão e suas variadas formas, “O que é racismo?” consegue mostrar o racismo enquanto sistema, configurado com mecanismos distintos, mas que têm o mesmo fim: manter uma hierarquia desigual entre negros e brancos no país, seja com uma prática banal – como uma piada de mal gosto – até sua forma mais evidente, a morte.

O Brasil abriga a maior população negra fora da África. No entanto, ainda não foi capaz de oferecer cidadania plena a essas pessoas. Nesse contexto, o Estado tem dificuldades em reconhecer o desequilíbrio racial brasileiro. Políticas públicas de ação­ afirmativa ­ como as cotas em universidade, por exemplo ­ demoraram para aparecer. Portanto, “O que é Racismo?” mostra­-se fundamental para introduzir o racismo enquanto debate atual e necessário ao país que ainda acredita na democracia racial.

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