Milícia no Rio, algumas perguntas

Tática bangue-bangue não combaterá a milícia porque é, ela mesma, uma tática miliciana

Thiago Amparo é Advogado, professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste) - Foto: Marcelo Hallit

“O crime organizado que não ouse desafiar o poder do Estado”, disse Cláudio Castro enquanto 35 ônibus e um trem eram incendiados no Rio de Janeiro. À realidade coube consumar a ironia: é como se os fatos expusessem a inevitabilidade do caos que a falta de política de segurança já anunciara. Lembro de García Márquez em “Cem Anos de Solidão”: “O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo”; apontar, sim, mas na cara de quem?

O governador quer que acreditemos que é uma luta de mocinhos contra bandidos; ele, claro, do lado dos primeiros. Quem dera a realidade fosse tão simples quanto sugere o maniqueísmo. Se fosse, a caça à cúpula de milicianos resolveria. Eis algumas questões. Pergunta 1: as autoridades fluminenses, de hoje e outrora, precisam explicar como permitiram que as milícias crescessem 387% em 16 anos, ocupando uma área de 64 Copacabanas. A resposta é que milícia lucra a partir e para o Estado. Sem desvendar os laços econômicos e sem controlar acesso a armas, nada será resolvido.

Pergunta 2: o governador precisa explicar por que nomeou, para chefiar a Polícia Civil, um policial influenciador digital homenageado por deputado ligado a miliciano; a resposta é que, em parte, a milícia manda no estado que nem sequer possui uma Secretaria da Segurança Publica.

Pergunta 3: os governos fluminense e federal precisam explicar por que jogar policiais de outros estados no Rio, via Força Nacional, resolveria a questão. Resposta: não resolverá. Pergunta 4: o MP-RJ precisa explicar por que, em 2021, extinguiu o órgão que apura má conduta de PMs (Gaesp).

Pergunta 5: Castro precisa explicar por que policiamento ostensivo também é seletivo: em 2019, apenas 6,5% das operações policiais no Rio ocorreram em áreas de milícia. Sem dizer como isso fortalece o mercado imobiliário das milícias, nada será resolvido. A tática de bangue-bangue não combaterá a milícia porque é, ela mesma, uma tática miliciana.

-+=
Sair da versão mobile
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.

Strictly Necessary Cookies

Strictly Necessary Cookie should be enabled at all times so that we can save your preferences for cookie settings.

If you disable this cookie, we will not be able to save your preferences. This means that every time you visit this website you will need to enable or disable cookies again.