Morre o afro-brasilianista Anani Dzidzienyo, mentor de pesquisadores em relações raciais

FONTEFolha de S. Paulo, por Fabiano Maisonnave
Anani Dzidzienyo, 57, historiador ganês, professor da Universidade de Brown nos Estados Unidos (Fotos: Fabiano Maisonnave/Folhapress)

O historiador e cientista político ganês Anani Dzidzienyo, um dos primeiros pesquisadores africanos especializados no Brasil e mentor de gerações de estudiosos das relações raciais no país, morreu nesta segunda-feira (26), aos 78 anos, vítima de um câncer.

Professor do Departamento de Estudos Luso-Brasileiros da Universidade Brown (EUA), Dzidzienyo atraía alunos por sua pioneira abordagem multidisciplinar da diáspora africana.

Entre os que passaram por sua sala, na cidade de Providence, estão a cientista política Melissa Nobles (MIT), o historiador Jeffrey Lesser (Universidade Emory) e a linguista Uju Anya (Universidade Estadual da Pennsylvania).

“Dzidzienyo foi um desbravador gigante de nossa área de estudos. A sua produção acadêmica, que também inclui o trabalho de seus alunos, permanece como monumento a esse legado intelectual. A maior contribuição na minha educação foi ensinar que os estudos afrobrasileiros tinham de ser abordados com a perspectiva do povo negro brasileiro como agente principal da cultura e da política do país”, diz Anya, nigeriano-americana que estuda o Brasil há 25 anos.

“Ensinou-me também que a música, dança e religião negra —temas tão populares na nossa área— eram assuntos políticos. Ele me ensinou a suma importância de ter vozes negras discutindo a negritude latino-americana”, afirma.

Dzidzienyo nasceu em 1941 na cidade industrial e portuária de Sekondi-Takoradi. Jovem, acompanhou a participação dos pais na luta pela independência de Gana, concluída em 1957, e estudou no internato Mfantsipim, escola metodista de perfil cosmopolita. Um de seus colegas ali era Kofi Annan, futuro secretário-geral da ONU e Nobel da Paz.

À época, o Brasil ainda era um país distante, mas o impacto da vitória da seleção na Copa do Mundo de 1958 marcou o jovem ganês.

“Foi um momento de definição em minha carreira e sobre o que penso dela. Ver tantos negros no time brasileiro estendeu meus conhecimentos sobre a diáspora africana”, escreveu, em artigo para a Folha publicado em 2006.

Ainda no internato, ganhou um concurso de redação que o levou aos EUA pela primeira vez, em 1959, onde permaneceu por alguns meses. Voltaria ao país dois anos depois, para estudar no Williams College, em Massachusetts. Ali, experimentou o isolamento por ser negro e estrangeiro em um país de maioria branca.

Após a graduação, Dzidzienyo continuou os estudos na Universidade de Essex, no Reino Unido. Foi quando o professor francês Christian Anglade o convenceu a pesquisar o Brasil.

Em 1970, já falando português, esteve pela primeira vez no país. Após um breve período no Rio, viajou a Salvador de ônibus.

Em depoimento publicado no livro “A Colônia Brasilianista”, do historiador José Carlos Sebe Bom Meihy, ele lembrou a chegada.

“Foi uma emoção absoluta. Fiquei quase louco, sem nenhum exagero! Vendo aquelas coisas todas, restavam duas alternativas para me equilibrar emocionalmente: ou estava maluco ou aquela terra era Gana, Nigéria, Moçambique. Foi uma sensação muito estranha: as pessoas, as variedades de cores, a profusão dos cheiros, os barulhos, a vegetação e a até a topografia, tudo era muito África.”

Nesse primeiro contato, também chamou a atenção do ganês a imagem distorcida do seu continente, tema que seria recorrente em sua vivência nos países ocidentais.

“No caso específico da Bahia, procurei mostrar como seria possível explicar a presença africana como memória de uma África inexistente, elaborada a partir de clichês e com composições falsas da realidade de origem”, afirma.

Dzidzienyo passou quase um ano em Salvador. Além da influência africana, testemunhou a segregação racial. “Não tinha praticamente um balconista negro, vi só em uma farmácia”, disse à Folha, em 1999.

De volta ao Reino Unido, escreveu, em 1971, sua primeira publicação, “A Posição dos Negros na Sociedade Brasileira”, para a organização de direitos humanos Minority Rights Group. Sua visão crítica rendeu uma nota de protesto assinada pela Embaixada do Brasil em Londres.

Em 1973, Dzidzienyo voltou aos Estados Unidos para lecionar na Universidade Brown, uma das mais prestigiosas do país.

Durante quase quatro décadas, ministrou cursos sobre a África e a diáspora africana e construiu pontes entre pesquisadores, ativistas e intelectuais norte-americanos, africanos e latino-americanos.

Entre as diversas amizades no Brasil está Abdias do Nascimento (1914-2011), líder histórico do movimente negro no país, sobre quem Dzidzienyo escrevia uma biografia, inconclusa.

Mas o professor ganês deixou seu maior legado em seus alunos, entre os quais este repórter. Na família do historiador Jeffrey Lesser, com quem manteve amizade por décadas, orientou inclusive seus filhos.

“Conheci Anani Dzidzienyo, em 1979, quando era estudante na Universidade Brown”, afirma o autor de diversos estudos sobre migrações judaica, árabe e japonesa para o Brasil.

“Eu havia começado a tomar aulas de política latino-americana e de Estudos Afro-americanos e descobri que podia combinar as duas áreas estudando o Brasil. Na época, o estudo de raça e etnia fora dos EUA era raro nas universidades americanas, então os alunos que procuravam Anani tinham interesses pouco comuns.”

“Isso mudou, e Anani passou a ensinar para classes grandes. Quando meu irmão mais novo estudou ciência da computação na Brown, teve aulas com Anani. Meus filhos gêmeos, hoje cursando pós-graduação em Berkeley e Harvard, também foram seus orientandos. Ele criou gerações de brasilianistas que continuam carregando o seu legado de ativismo engajado, mas não autocentrado.”

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