Mudança de nome e gênero de pessoas trans cresce 162% em cartórios do Paraná: ‘Poder mostrar quem você é’

Estado registrou alta recorde no país, segundo associação. Desde 2018, retificação pode ser feita sem justificativa. Especialista explica que processo inicia entrada de pessoas trans na sociedade.

FONTEPor Caio Budel, do G1
Jordan Chris Vallery Ribas, de 26 anos, retificou o registro civil em cartório (Foto: Giuliano Gomes/PR Press)

O número de transexuais e transgêneros que retificaram nome e gênero de documentos pessoais em cartórios do Paraná cresceu 162% em um ano. A alta é recorde no país, segundo a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil).

Desde 2018, pessoas trans têm o direito de pedir a mudança sem necessidade de procedimento judicial e sem cirurgia de redesignação sexual. O processo é considerado uma ferramenta de acesso social. Veja abaixo como realizar o procedimento.

Segundo dados da Arpen, em 2022 foram 207 procedimentos de alteração de gênero no Paraná, contra 79 em 2021.

Jordan Chris Vallery Ribas, de 26 anos, fez as mudanças nos documentos em 2022, direto no cartório. Ele mora em Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC).

Para ele, a mudança do nome e do gênero nos documentos pessoais foi o início de um processo de reconhecimento.

“Não é que eu não gostava do nome que a minha mãe me deu, mas a gente sente que não é com a gente que estão falando. Antigamente eu tinha vontade e não sabia que podia. No começo eu fiquei receoso por medo de julgamento, mas depois eu vi que era a minha vida e fiz”.

A advogada Gisele Alessandra Szmidt e Silva, de Curitiba, explica que o processo de retificação de nome significa o resgate da dignidade das pessoas trans.

A mudança passou a ser garantida depois de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), há quatro anos.

Antes, em 2017, a advogada falou no plenário da Corte, acompanhada de outros juristas, em defesa da retificação de nome no registro civil de forma mais fácil, uma vez que cirurgias para mudança de sexo são consideradas invasivas e os procedimentos não são cobertos pela rede pública de saúde.

“A partir do momento que uma pessoa trans não tem o nome e seu gênero reconhecidos, ela sempre passa por esse constrangimento extremo. A mudança do nome via cartório foi uma decisão história, de vanguarda”, explicou a advogada, primeira mulher trans a fazer uma sustentação no STF.

Retificações de gênero no Paraná em 2022

De acordo com a Arpen, em 2018, ano em que as mudanças foram autorizadas, o Paraná registrou 83 atos de retificação de nome e gênero em cartórios.

Jordan lembra que se sentiu um novo homem ao receber os documentos retificados.

“É uma felicidade poder mostrar quem você é. As pessoas poderem me chamar de Jordan, meu nome mesmo. O mínimo deixa a gente tão feliz e nessas coisas a gente prova que é verdade. Uma coisa tão pequena e pra gente é uma liberdade tão grande”.

Jordan, de Colombo, é encarregado em uma gerenciadora de risco (Foto: Giuliano Gomes/PR Press)

Segundo a Arpen, entre as retificações registradas no Paraná em 2022:

  • 48,3% são de pessoas que retificaram o gênero de feminino para masculino;
  • 45,4% são de pessoas que retificaram o gênero de masculino para feminino;
  • 6,3% mudaram o gênero, mas mudaram o nome, uma vez que é opcional.

“É por meio do registro civil que determinados grupos da sociedade, como neste caso da população trans, saem da invisibilidade. Conferir dignidade à pessoa humana está no cerne do registro civil e, mais uma vez, os cartórios se mostram entes participativos neste processo de mudança”, destacou o presidente do Instituto do Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado do Paraná (Irpen-PR), Mateus Afonso Vido da Silva.

‘Passo inicial’

A advogada Gisele Alessandra explica que a retificação é um “passo inicial” para a entrada efetiva de pessoas trans na sociedade.

A comunidade, porém, enfrenta desafios que vão além do nome e do gênero.

Em 2022, o Brasil foi, pela 14ª vez seguida, o país que mais matou pessoas trans no mundo. Os dados são da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Pelo menos 131 pessoas trans foram mortas, sendo 130 mulheres e um homem.

A Antra explicou que o número de assassinatos pode ser maior porque não existem dados oficiais sobre a violência contra esta população no Brasil.

Perfil das pessoas trans assassinadas no Brasil: mulheres trans/travestis negras e que vivem da prostituição (Foto: Anderson Cattai e Kayan Albertin/G1)

Para a advogada Gisele, pessoas trans ainda precisam enfrentar “um abismo” para que consigam viver a cidadania na plenitude.

Além da insegurança, ela destaca outras dificuldades como o acesso ao ensino e ao mercado de trabalho.

“As pessoas trans não conseguem se capacitar no mercado de trabalho, porque elas são expulsas do ambiente escolar, devido ao bullying pesado que sofrem. Quando se capacitam e entram no mercado, geralmente têm salários inferiores. Nós também somos pessoas que desejam ter famílias, e isso também é difícil de acontecer. Trans costumam apenas ser objeto de fetiche.”

Como mudar nome e gênero no documento

Segundo a Arpen, para mudar gênero e nome nos Cartórios de Registro Civil é necessário apresentar:

  • todos os documentos pessoais;
  • comprovante de endereço;
  • certidões dos distribuidores cíveis, criminais estaduais e federais do local de residência dos últimos cinco anos;
  • certidões de execução criminal estadual e federal, dos Tabelionatos de Protesto e da Justiça do Trabalho.

Após a apresentação dos documentos em um cartório, o oficial de registro realizará uma entrevista com a pessoa que deseja realizar o processo.

De acordo com a Arpen, depois do processo, cabe ao Cartório de Registro Civil comunicar o órgão competente sobre a mudança de nome e gênero, assim como aos demais órgãos de identificação, sobre a alteração realizada no registro de nascimento.

Outros documentos pessoais como a Carteira Nacional de Habilitação, devem ser solicitados pela pessoa diretamente ao órgão competente pela emissão.

-+=
Sair da versão mobile