A endometriose é uma doença que afeta uma em cada dez mulheres. E esse público tem um risco 20% maior de sofrer com problemas cardiovasculares, como infarto e acidente vascular cerebral (AVC).
Essa é a principal conclusão de uma pesquisa realizada no Hospital Rigshospitalet da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, apresentada nesta segunda-feira (2/9) no Congresso Europeu de Cardiologia (ESC 2024), que acontece em Londres, no Reino Unido.
O trabalho usou um banco de dados dinamarquês que trazia muitas informações de saúde. No total, foram selecionados casos de endometriose diagnosticados entre 1977 e 2021.
Os autores compararam um grupo de 60.508 mulheres que tinham a doença com outras 242.032 que nunca sofreram com o quadro. Todas foram avaliadas por 16 anos, em média.
No acompanhamento, foram avaliadas diversas questões, como nível socioeconômico, educação e uma série de possíveis problemas cardiovasculares — como infarto, arritmia, AVC e insuficiência cardíaca.
Os dados mostram que a frequência de desfechos prejudiciais ao coração e aos vasos sanguíneos foi mais elevada entre as pacientes com endometriose.
Segundo os autores, mulheres com essa enfermidade apresentam um risco quase 20% maior de sofrer com problemas cardiovasculares em comparação com a população geral.
Descamação descontrolada
Para entender a endometriose, é preciso conhecer o funcionamento do endométrio
Esse tecido recobre as paredes internas do útero e a principal função dele é receber o embrião, que se forma a partir da fusão do óvulo com o espermatozoide.
A membrana passa por uma série de transformações durante o ciclo menstrual.
No final do período, quando acontece a menstruação, o endométrio “antigo” descama, para dar origem a um novo tecido — que está em melhores condições para eventualmente acolher um embrião, caso ocorra uma fecundação.
A endometriose acontece quando o endométrio aparece em outras áreas do corpo além do útero.
Em mulheres acometidas pela condição, esse tecido surge com frequência nos ovários e nas tubas uterinas.
Em alguns casos, ele é detectado em outras regiões mais distantes, como a bexiga e o intestino.
Mesmo fora de lugar, essa membrana continua a passar por aquele processo contínuo de crescimento e descamação.
Esse ciclo, por sua vez, gera sintomas bem desagradáveis, como períodos de dor severa, que impedem a realização de atividades diárias, sangramentos e desconforto na hora de ir ao banheiro.
Algumas pacientes ainda sentem fadiga intensa, cólicas e incômodos durante a relação sexual.
Embora existam meios de diagnosticar a endometriose, ainda não foram desenvolvidos medicamentos específicos para lidar com a condição.
Geralmente, o tratamento envolve remédios para aliviar a dor (como paracetamol ou ibuprofeno) ou terapia hormonal.
Em casos severos, pode ser necessário fazer cirurgias para remover o endométrio que está fora de lugar.
A chave está na inflamação?
Durante a apresentação do trabalho dinamarquês na ESC 2024, a médica Eva Havers-Borgersen foi questionada sobre os fatores que poderiam explicar a relação entre endometriose e doenças no coração.
A autora do artigo reforçou que a pesquisa fez uma associação — ou seja, usou uma base de dados para entender se um fator (endometriose) tinha alguma conexão com o outro (problemas cardiovasculares).
“Mas possivelmente a inflamação e o estresse oxidativo relacionados com a endometriose podem aumentar o risco cardíaco”, especulou ela durante a sessão científica.
“Esse pode ser o mecanismo por trás dessa associação”, continuou ela.
Num comunicado divulgado à imprensa com os resultados da pesquisa, Havers-Borgersen reforçou que, “por décadas, os fatores de risco e as próprias doenças cardiovasculares foram vistas sob uma perspectiva masculina”.
“Por exemplo, a disfunção erétil aparece nas diretrizes que avaliam o risco cardiovascular de um paciente”, lembra ela.
“No entanto, uma em cada três mulheres morrem por doenças cardiovasculares e uma em cada dez sofrem com endometriose.”
Para a médica, os resultados do estudo apontam que a endometriose também deveria ser considerada durante as avaliações feitas no consultório do cardiologista.
Havers-Borgersen aponta que fatores de risco que afetam especificamente o coração das mulheres precisam ser vistos com maior atenção.
“Sugerimos que as pacientes com endometriose e outras doenças, como diabetes gestacional e pré-eclâmpsia, passem por uma avaliação de risco cardiovascular”, conclui ela.