Mulheres negras conduzem debate para superação do racismo e sexismo no poder público

Feministas negras especializadas em política, saúde, relações sociais e comunicação falam sobre os efeitos dos erros de gestão pública que perpetuam e acirram as desigualdades no Brasil. Em exposições simplificadas, traçam roteiro de boas práticas para a administração pública estadual

Brasília (Brasil) – Voz, vez e protagonismo das mulheres negras. Essa foi a tônica do segundo dia (11/5) do Seminário e Oficina para Gestoras e Gestores de Promoção da Igualdade Racial e de Política para as Mulheres, promovido pelas Nações Unidas e governo brasileiro através do Programa Interagencial de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia. Evento se encerrou ontem (12/5), em Brasília, e tratou durante três dias do racismo e do sexismo institucionais na administração pública e as oportunidades de interface das dimensões de gênero e raça no processo de gestão das políticas públicas. Na primeira exposição da terça-feira (11/5), Luiza Bairros, secretária estadual de Promoção da Igualdade da Bahia, fez um panorama dos órgãos de gênero e raça no Brasil e uma crítica da forma como essas experiências ocorrem nas esferas nacional, estadual e municipal. Para ela, os avanços são visíveis, embora esses órgãos tenham pouca estrutura e falta de consenso em favor do avanço das políticas públicas focalistas.   Ativista do movimento negro e feminista, a gestora Luiza Bairros apresentou o trabalho desenvolvido pela Sepromi para as comunidades quilombolas da Bahia e na área de enfrentamento à violência contra a mulher. A secretária constatou a necessidade de mais envolvimento da sociedade civil e das outras áreas de governo para fortalecimento dos órgãos de políticas para as mulheres e igualdade racial. “Quem faz o governo se mexer é a sociedade. Nosso problema não é só orçamento, mas entender o lugar que ocupamos na estrutura como um todo e aumentar o nosso grau de incidência”, disse a gestora.

 

Luiza Bairros (Sepromi), Helena Oliveira (UNICEF), Sueli Carneiro (Geledés) e Jurema Werneck (Criola)  

Perversa combinação: racismo e sexismo

Percorrendo dados que demonstram na prática a combinação do racismo e do sexismo institucionais, Jurema Werneck, coordenadora de Criola – Organização de Mulheres Negras, listou as áreas em que a vida e a morte das mulheres negras estão nas mãos dos gestores. “A visão de que somos todos iguais não salva a vida de todos de forma igual. Na campanha do desarmamento, porque não foram recolhidas as armas que salvariam as vidas das mulheres negras?”, questionou. Jurema fez um roteiro de boas práticas a serem incorporadas pelos órgãos de políticas para as mulheres e de igualdade racial, chamando a atenção para a interlocução com os movimentos sociais, tratamento singular aos grupos sociais, definição de prioridades e estabelecimento de metas diferenciadas. “O orçamento da União é pouco para dar contar da dívida que tem com as mulheres negras. E é preciso que vocês reconheçam que o movimento social está qualificado, que a estrutura governamental não sabe fazer e entender que a mudança foi feita do lado de fora. Pense, pergunte, debate e escute.”, recomendou a militante negra.  

Racismo institucional

Jurema Werneck lembrou o conceito de racismo institucional formulado, em 1960, pelos Panteras Negras (grupo de ativistas negros dos Estados Unidos), para os quais significava a falha coletiva de uma organização em prover serviços apropriados e profissionalizados às pessoas por sua condição racial e étnica. Parafraseando Gary King no destaque às leis e às políticas públicas de combate o racismo, a ativista brasileira encerrou sua apresentação dizendo que “ninguém por vontade própria vai mudar o status quo”, por serem pessoas e organizações que se beneficiem do racismo refratárias à superação de um sistema de opressão e exclusão baseado na superioridade racial.

 

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Jurema Werneck destacou o conceito de racismo institucional, formulado nos anos 1960 pelos Panteras Negras

Comentarista das apresentações, Sueli Carneiro, diretora de Geledés – Instituto da Mulher Negra e uma das fundadoras do movimento de mulheres negras brasileiras nos anos 1980, avaliou o cenário do debate racial no Brasil marcado por “uma reação conservadora violenta e midiática sobre as políticas de ação afirmativa e com impacto sobre a gestão das políticas focalistas e a agenda das mulheres negras”. Para ela, a situação está mais tensa do que há cinco anos. “Há manifestações impensáveis como no caso do senador que na Suprema Corte brasileira afirmou que não houve estupro colonial e sim relações consensuais e tudo isso em meio a tolerância pública”, lembrou.

Desafios de um novo discurso

De acordo com Sueli Carneiro, o desafio é vencer barreiras porque não é possível “falar de desigualdade racial sem falar de racismo, ao mesmo tempo que não dá pra falar de desigualdade de gênero sem falar de sexismo”, alertou. A filósofa e feminista negra considera que existem pelo menos duas narrativas que negam o conflito racial no Brasil. “O mito da democracia racial tenta neutralizar e abafar o racismo. O paradigma de classe tenta retirar nossa identidade negra. Segundo ele, quando pobres, deixamos de ser negros”, analisou. Sueli percebe a necessidade de construção de um marco teórico e conceitual que “nos possibilite disputar na sociedade a hegemonia de discurso”, o que é fundamental para a “compreensão das políticas focalizadas versus universalistas no sentido de promoção e não de tutelagem”, completou Sueli Carneiro. Em seus comentários, Sueli Carneiro também falou sobre a mobilização das mulheres negras na I e II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, para afirmação da agenda política de combate ao racismo.

Estratégias de comunicação

O tema “Comunicação para o enfrentamento do racismo e do sexismo institucionais” foi desenvolvido pela jornalista negra Juliana Nunes, integrante da Cojira-DF (Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal) e repórter da Rádio Nacional. Ela recuperou os marcos internacionais de combate ao racismo e à discriminação racial e contra a mulher relacionados ao campo da comunicação. Contou a mobilização do movimento negro e de mulheres para a I Conferência Nacional de Comunicação e deu dicas para tornar os produtos dirigidos a mulheres negras, mulheres e população negra mais eficientes.  “Um dos caminhos é pensar a comunicação de forma estratégica, prevendo recursos para campanhas, editais específicos para mulheres e negros produzirem seus próprios conteúdos em redes de comunicação independentes, juntar equipes de comunicação de outras áreas e utilizar a estrutura existente dentro do próprio governo”, sugeriu.

Fonte: Unifem

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