Mulheres Negras e os títulos acadêmicos desde nossa ancestralidade

FONTEPor Maria Luzitana Conceição dos Santos [Luz Santos]¹, enviado ao Portal Geledés
Foto: Stock/Adobe

Dentre os tantos conteúdos assistidos no período da pandemia, recentemente chamou minha atenção vídeo de um homem branco, professor de Universidade federal, ao criticar o excedente de títulos acadêmicos. Do alto de seu pós Doutorado em seus fundamentos civilizatórios, o autor da Live criticava a ineficiência do excesso de títulos acadêmicos classificando a não serventia dos documentos dissociados de um conhecimento – uma ciência.

A rigor, os títulos acadêmicos denunciam a trajetória investigativa e de produção de conhecimento. Impõem dignidade ao nome de quem os carrega e anunciam, mais que a profissão, um saber. O ocidentalismo, talvez por sua ‘mania’ separativa, protagonizou a formalização do título de doutor nas primeiras universidades europeias, ao designar, em meio à relação de respeito, quem era a pessoa hierarquicamente superior apto a ensinar. Nem preciso dizer que ‘aptas’ não eram consideradas naquela época, motivo pelo qual a vogal “a” inclusiva de gênero não se faz presente na minha descrição, neste parágrafo.

Das memórias narradas de minhas ancestrais – mulheres negras, o orgulho de tantas vidas que ajudaram a trazer ao mundo, assim como crianças recuperadas em seus leitos de quase morte com ervas e lambedor. Algumas dessas crianças cresceram e tornaram-se doutores/as. Em defesa da medicina científica, defendem posicionamento contrário ao uso das ervas cujas vidas foram salvas. Pergunto-me: se os chás tivessem origem nos saberes eurocêntricos inventados, passariam ao embate de não ser considerado um notório saber?

Minhas ancestrais negras, algumas parteiras e curandeiras, legaram o propósito de cuidado nas relações e sociabilidades. O cuidado certamente foi uma das qualificações expressas na sabedoria das minhas mais velhas que ganhou sentido na escuta atenta das crianças, no momento da dor e na observação das práticas de cura. Assim como eu, muitas outras mulheres negras aprenderam sobre a cura e o cuidado. Muitas seguiram adiante no ofício certificadas pelo título do compromisso com o bem viver.

Algumas de nós mulheres negras (não tantas) alcançam seus primeiros, segundo ou terceiro títulos acadêmicos. Deixam de ser informantes e fontes primárias e passam à autoridade de fala sobre a pesquisa.  Em sua maioria, assumem imediatamente outra titulação: a de primeira mulher negras na família com graduação, mestrado e doutorado, atestado por políticas de cotas e ações afirmativas. Dessa maneira, mais que dedicar os títulos acadêmicos-ancestrais à família, estas primeiras mulheres negras fazem da presença da sabedoria ancestral a qualificação de sua jornada acadêmico-científica. Para quem teve privilégios, o título pode ser excesso. À nossa ciência e saberes afrodescentendes, os títulos ainda são ínfimos.

TEXTO EN EL ESPAÑOL:

Mujeres Negras y los títulos académicos desde nuestra ancestralidad

Entre varios contenidos que se han difundido en el periodo de la pandemia del covid-19, me ha llamado la atención un vídeo de un hombre blanco, profesor de una Universidad Federal, que criticaba los excedentes títulos académicos. Desde su alto grado posdoctoral en fundamentos civilizatorios, el autor de la transmisión en vivo criticaba la ineficiencia del exceso de títulos académicos clasificando la no utilidad de los documentos disociados de un conocimiento – una ciencia.

En rigor, los títulos académicos denuncian la trayectoria investigativa y de producción de conocimiento. Además, imprimen dignidad a quien los lleva y anuncian un saber más que la profesión. El occidentalismo quizás por su ‘hábito’ separatista protagonizó la formalización del título de doctor en las primeras universidades europeas al asignar, además de una relación de respeto, quién era el individuo superior jerárquicamente apto para la enseñanza. No hace falta decir que no se consideraba ‘aptas’ en aquella época, por lo que el uso de la vocal “a”, inclusiva de género, no está presente en mi descripción, en este párrafo.

De las memorias narradas de mis antepasados – mujeres negras –, el orgullo de tantas vidas que ayudaron a traer al mundo, así como niños que se han recuperado en sus lechos de casi muerte con hierbas y lamedor. Estos niños crecieron, y algunos de ellos se volvieron doctores/as. Y salen en defensa de la medicina occidental, con un posicionamiento contrario al uso de las hierbas que habían salvado sus vidas. Entonces me pregunto: si los tés hubieran sido originados por los inventados saberes eurocéntricos, ¿estaría en discusión su notorio saber?

Mis ancestros negros, parteras y curanderas, entre otras, nos legaron el propósito del cuidado en las relaciones y sociabilidades. El cuidado sin duda fue una de las calificaciones que se expresan en la sabiduría de mis abuelas que cobró sentido en la escucha atenta de los niños, en el momento del dolor y en la observación de las prácticas de curación. Al igual que yo, muchas otras mujeres negras han aprendido acerca de la curación y el cuidado. Muchas siguieron adelante en la labor con el título del compromiso con el buen vivir.Algunas de nosotras, mujeres negras (no tantas), alcanzamos nuestros títulos académicos. Dejamos de ser informantes y fuentes primarias, y pasamos a la autoridad de habla en la investigación. En su mayoría, asumimos inmediatamente otra titulación: la de ser la primera mujer negra en la familia con graduación, maestría y doctorado, certificada por políticas de cuotas y acciones afirmativas. De esta manera, más allá de dedicar los títulos académico-ancestrales a la familia, estas primeras mujeres negras hacen de la presencia de la sabiduría ancestral la calificación de su jornada académico-científica. Para alguien con privilegios, el título puede ser un excedente. Para nuestra ciencia y los conocimientos afrodescendientes, los títulos aún son ínfimos.


¹ Ativista no Movimento de Mulheres Negras na Paraíba, idealizadora da Rede Afro-latino-empreendodora, Educativa e Colaborativa no Secretariado (RECOSEC/UFPB), Professora Adjunta na Universidade Federal da Paraíba e Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Educação UFRGS/FACED. E-mail: luzdosol.pe@gmail.com 

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