Mulheres negras não deveriam morrer exaustas

FONTEUniversa, por Cristiane Guterres
Cristiane Guterres (Reprodução/Facebook)

“Mulheres Negras Não Deveriam Morrer Exaustas” é o título do livro da escritora Jayne Allen lançado no início do ano no Brasil pela Editora Universo dos Livros. Allen narra a história da bem-sucedida repórter norte-americana Tabitha Walker, uma mulher negra que aos 33 anos sempre ouviu de sua avó, uma mulher branca, que “mulheres negras certamente morrem exaustas”.

A avó de Tabitha dizia esta frase tendo como referência as mulheres negras americanas que conheceu nos anos 50, período da luta pelos direitos civis dos negros no Estados Unidos. Momento de batalhas pelo fim do apartheid que impunha aos negros a exclusão e a ausência de direitos.

Tantas décadas depois, vivendo uma realidade já de inúmeras conquistas da comunidade negra dos EUA faz com que Tabitha possa vislumbrar um final de vida menos exausto, ainda mais sendo ela uma mulher que teve acesso a educação e já estar dando alguns “checks” na sua listinha de conquistas pessoais como: carro, bom emprego, entrada na casa própria e um relacionamento amoroso que a possibilita pensar em casamento.

Mas será mesmo que a realidade atual pode reservar a uma mulher negra um fim que não seja exausto? Assim que comecei a ler o livro, logo me identifiquei com Tabitha. O fato de sermos negras, estarmos na mesma geração, termos carro, a mesma profissão e vislumbrarmos um futuro de conquistas para mulheres como nós me aproximou da personagem.

Mas só de pegar o livro em minhas mãos eu percebi que a frase da avó de Tabitha é intensamente atual e principalmente em minha vida. Não, mulheres negras não deveriam morrer exaustas. Eu tenho certeza disso, ainda mais quando me lembro que minha mãe, uma mulher negra, morreu exausta diante de todos os desafios que a vida impôs para sua existência e eu gostaria muito que pudesse ter sido diferente.

Minhas amigas, mulheres negras jornalistas também estão exaustas. São mulheres como Tabitha e como eu. Já deram ou estão prestes a dar “check” na listinha de conquistas materiais como carro, casa, filhos e bom emprego, mas estão longe de termos a nossa humanidade reconhecida.

Num país de estruturas racistas como o Brasil uma pessoa negra sequer conquistou o direito de ser vista como um ser humano. Não importa se ela acessou o clube seleto de brasileiros com dinheiro no banco durante todo o mês. A cor sempre chega primeiro, seja você rico ou famoso, quando você é negro a sua cor chega sempre primeiro.

As nossas mães, avós, amigas, tias estão morrendo exaustas pela luta por direitos, exaustas à espera de políticas públicas de saúde que as reconheçam em sua integridade. Exaustas por chorarem por seus filhos, maridos, pais e irmãos que morrem em batalhas envolvendo agentes de segurança. Exaustas de brigar por espaço nas cadeiras eletivas. Exaustas de jogarem no nosso colo um problema que os brancos criaram, o racismo.

Mulheres negras não deveriam morrer exaustas, ninguém deveria morrer exausto.

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