Segundo pesquisa, negros são raridade em propaganda do setor financeiro e não estão em 55% das do setor de beleza
Por Marina Estarque | Priscila Camazano, Da Folha de S.Paulo
“Você está perdendo dinheiro por ser racista”, pensava a publicitária Raphaella Martins Antonio, única negra da sala, em uma reunião com clientes. Munida de dados, a publicitária explicou, diplomaticamente, que uma campanha sem pluralidade era uma má decisão de negócio.
“A marca tinha público-alvo de negros e, na comunicação toda não aparecia nenhum negro. Precisei mostrar para o próprio cliente qual era o perfil do seu consumidor”, diz ela, que foi uma das líderes na implementação do programa de diversidade racial da agência J. Walter Thompson Brasil e hoje trabalha em uma empresa de mídia.
O relato dela é comum entre publicitárias negras, que frequentemente se encontram sozinhas em agências dominadas por brancos. A falta de representatividade interna e nos departamentos de marketing das empresas se reflete em campanhas pouco diversas, distantes da realidade brasileira, dizem especialistas.
Apenas 7,4% dos comerciais de televisão são protagonizados por mulheres negras —excluindo os que são estrelados pelo produto ou pela sociedade de forma mais abstrata. O dado é da pesquisa Todxs, da agência Heads, obtida com exclusividade pela Folha.
Considerando somente os comerciais protagonizados por mulheres, 70% deles são com brancas, apenas 17% com negras e 13% com diferentes grupos raciais.
Homens negros também aparecem menos do que brancos. Apenas 22% das propagandas estreladas por homens têm negros protagonistas.
O estudo analisou 2.999 comerciais veiculados nos canais Globo e Megapix entre 22 a 28 de fevereiro de 2019. Segundo a pesquisa, a diversidade racial aumenta para 81% quando há várias pessoas
e gêneros representados.
“Quando há muitas pessoas em cena, a marca se sente mais confortável para colocar diversidade, é meio lógico. É aquele comercial de fastfood que tem várias pessoas mordendo o sanduíche”, diz a publicitária e coordenadora do estudo, Isabel Aquino, que se declara parda.
Ela diz que o negro costuma aparecer como coadjuvante ou dividindo o protagonismo com brancos. “A publicidade ainda é muito racista.”
Isabel afirma que apesar de o setor de cosméticos e beleza ter incorporado a diversidade, 55% dos comerciais analisados não tinham negros.
Entre os segmentos que quase ignoram os negros estão sites e aplicativos, serviços financeiros e automóveis. “O segmento automobilístico, por exemplo, não coloca muita mulher e é omisso em relação a negros”, diz Isabel.
A chefe de conteúdo na Ogilvy Brasil, Samantha Almeida, afirma que parte da disparidade vem da ausência de diversidade no próprio ambiente de criação e nos espaços de tomada de decisão, onde a
convivência é entre iguais.
“Eles se entendem e se completam. No meu caso, eu gentilmente dou a minha perspectiva, que costuma ser nova para elas. Se queremos ter produtos, serviços e comunicação para mulheres negras precisamos ter muito mais do que uma Samantha na sala”.
Mulheres negras que chegam a cargos de destaque em agências, como ela, são raras. Samantha se considera a “exceção que confirma a regra”.
Nascida e criada na comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, recebeu uma bolsa de estudos, o que lhe permitiu ter uma boa educação. “[As pessoas podem dizer] ‘olha só que legal, uma menina nascida e criada em comunidade que lutou e venceu na vida, só que não’”, diz ela, ironizando o conceito de meritocracia.
“Os departamentos de marketing das empresas são compostos de brancos, de classe média alta. Enquanto essas equipes não forem diversas, não vamos atingir a representatividade na comunicação”, diz a empresária negra Dilma Souza Campos, presidente da Outra Praia, que faz eventos de live marketing.
“No Brasil, a presença de negros em eventos e comerciais não é uma questão de representatividade, mas de proporcionalidade”, diz ela.
“Nos EUA os negros são 13% da população e ocupam mais espaço na mídia e em cargos estratégicos. Aqui não somos minoria, somos mais da metade dos brasileiros”.
Dilma conta que, atualmente, muitos de seus clientes já pedem um casting com diversidade para seus eventos. Mesmo assim, as brancas têm mais chances de serem escolhidas, e ainda está presente a ideia de que é preciso cumprir uma cota. “Aquela coisa: ‘bota uma negra linda ali e não precisa mais’”.
Foi a experiência de ser barrada em inúmeros castings que fez Dilma mudar de carreira e se voltar para o marketing.
Durante a faculdade, ela atuava como bailarina, modelo e recepcionista. “Para muitos eventos eu não era escolhida. Vivia isso na pele: ‘ah, queria tanto fazer isso’, mas não tinha nenhum negro ali, só se fosse garçom ou na limpeza.”
Ela, então, percebeu que poderia ficar nos bastidores, produzindo eventos. “Assim teria sempre trabalho”. Atuou por anos em agências, mas encontrou outra barreira.
“Quando olhei para trás, estava há uma década no mesmo cargo. O que eu cresci? Nada. Me colocaram em uma caixinha e não tinha como avançar”, conta ela, que era a única negra entre todos os diretores de uma grande agência.
Como saída, decidiu abrir seu próprio negócio. Hoje sua empresa de marketing de eventos fatura R$ 7 milhões por ano e emprega 14 funcionários.
A falta de representatividade em postos estratégicos nos clientes que contratam as agências é outro problema.