Mulheres quilombolas criam biojoias e digitalizam vendas: ‘Trabalho de base’

O projeto Arte Solidária, parceria da designer Maria Oiticica e Michelin, incentiva o empreendedorismo feminismo em quilombos na Bahia. Na 1ª fase, as mulheres criaram uma coleção. Agora, focam na digitalização das vendas

FONTEMarie Claire, por Thiago Andrill
Alguns dos frutos do projeto Arte Solidária no sul da Bahia (Foto: Imagem retirada do site Marie Claire)

O projeto Arte Solidária Michelin Ouro Verde, parceria da designer amazonense Maria Oiticica e da fabricante de pneus, desenvolve o empreendedorismo de mulheres em três comunidades quilombolas no sul da Bahia. A primeira fase consistiu em oficinas e diálogos online, nos quais Maria e 20 mulheres trocaram conhecimentos e elaboraram a coleção Origens. Com mais de R$ 4 mil em vendas destinados às comunidades locais, o projeto implementa sua segunda fase.

Agora, os grupos têm sido instruídos a vender online as peças – não apenas da coleção – e a manter a geração de renda com autonomia, independente da iniciativa. “A mulher quando parte para o empreendedorismo, ela comumente tem mais garra, pois é historicamente desvalorizada. Ela leva renda para casa e, no caso do projeto, mantém a floresta em pé com uma rede afetiva de outras mulheres”, explica Maria. Ela pontua que as integrantes ainda serão acompanhadas quando o Arte Solidária chegar ao fim.

Jéssica Oliveira do Rosário, artesã do quilombo Jatimane, posa com sua criação (Foto: Imagem retirada do site Marie Claire)

“Com o projeto tivemos oportunidade de trabalhar com outro modelo a partir da semente da seringueira, que por ser uma planta abundante na região, fortaleceu ainda mais o laço de parceria”, revela Danila de Jesus dos Santos, artesã da Associação de Biojoias, Pesca e Agricultura em Ituberá (ABPAGI), uma das comunidades atendidas.

Já para Maria Rosângela Nascimento de Jesus, outra artesã da ABPAGI, a iniciativa lhe ajudou a reconhecer e valorizar seu próprio talento e trabalho. “Em cada peça vemos também a autoestima e visual único de cada mulher na sua expressão natural, na segurança da sua etnia.”

Danila de Jesus dos Santos, artesã da Associação de Biojoias, Pesca e Agricultura em Ituberá (ABPAGI), uma das comunidades atendidas (Foto: Imagem retirada do site Marie Claire)

Dois perfis no Instagram foram criados para comercializar os produtos. São eles: @biojoiasjatimane e @arteabpagi. Além destes, a coleção Origens também está disponível no site de Maria Oiticica.

Raízes

A região do sul da Bahia na qual as comunidades quilombolas estão presentes é a Reserva Ecológica Michelin, onde a marca de pneus investe em reflorestamento, pesquisa ecológica e programas de educação ambiental. A designer foi convidada a visitar o local em 2017 e lá, diz, teve estimulada a sua própria conexão familiar no Amazonas. A seringueira despertou as lembranças.

“Começou a me levar de volta à infância e fiquei muito mexida com isso. Sangrei a seringueira e lembrei do meu pai. Desde que comecei a minha marca, há 20 anos, nunca consegui trabalhar com a semente da seringueira, pois é muito leve e frágil. Quando terminei a visita, ganhei uma caixinha com ela e outras sementes”, relembra Maria.

Colar feito por mulheres quilombolas do projeto com a designer Maria Oiticica e Michelin (Foto: Imagem retirada do site Marie Claire)

A designer diz que chegou ao seu atelier e pensou em desenvolver uma coleção, que se chamaria Origens. Entrou em contato com o pessoal da Michelin e pediu algumas outras sementes. Ao explicar sua ideia, a marca de pneus lhe propôs não apenas uma coleção, mas um projeto. Daí surgiu a parceria com as mulheres quilombolas.

“Houve uma conexão muito grande e naquele momento fui conhecer quem trabalhava com o artesanato local, com as mulheres quilombolas. Fiquei apaixonada pelo trabalho delas”, explica.

Após desenhar o projeto e prestes a iniciá-lo no começo de 2020, a pandemia deu as caras. Impossibilitada de viajar, Maria e o time da Michelin reconceitualizaram a iniciativa e optaram pelo modelo digital.  “A troca que tivemos foi a coisa mais impressionante da história da minha marca”, complementa.

Nossa expectativa é que a gente seja reconhecido pelo nosso trabalho de base e sustentável, declara a artesã Jéssica Oliveira do Rosário (Foto: Imagem retirada do site Marie Claire)

Jéssica Oliveira do Rosário, artesã do quilombo Jatimane, no município de Nilo Peçanha, ressalta que deseja levar a comunidade para o mundo sem precisar sair dela. “Nossa expectativa é que a gente seja reconhecido pelo nosso trabalho de base e sustentável.” O aprimoramento do manuseio das sementes e o desenvolvimento da loja virtual já geraram, segundo a artesã, “resultados excepcionais.”

“Aproveitamos todos os benefícios que a natureza oferece e a comunidade tem um olhar diferenciado sobre a preservação e o cultivo”, finaliza.

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