Centros em países tão diversos como Suécia, Dinamarca, Turquia e Argentina promovem revisão crítica da história e da cultura a partir da perspectiva das mulheres e permitem que elas mesmas elaborem seu papel na sociedade
Por Lucía Lijtmaer, do Opera Mundi
A notícia que rodou em outubro do ano passado chamou a atenção: foi inaugurado o primeiro museu feminista do mundo. O lugar era de fato apropriado: na cidade sueca de Umeå, capital europeia da cultura em 2014, em um país onde a metade dos representantes políticos se autodefinem como feministas, onde existe um partido chamado Iniciativa Feminista – que teve suficiente popularidade para apresentar-se nas eleições – e em um Estado que está em quarto lugar no índice global da igualdade de gênero.
Mas o que quer dizer “museu feminista” e por que sua existência? O Kvinnohistoriskt Museum, (ou Museu da História das Mulheres, em sueco) não tem coleção permanente, e está apresentando duas exposições paralelas. Uma delas trata do envelhecimento, e a outra se intitula Raízes. Esta última centra-se no poder e na influência de como se narra a história e explora as raízes das velhas ideias, normas e estruturas que determinam as decisões e oportunidades tanto de homens quanto de mulheres. A mostra explica que “a historiografia é injusta. A maior parte das pessoas não estará incluída. A maioria das coisas que as pessoas fizeram, pensaram, sentiram e acreditaram será esquecida”.
Para além da aparente novidade, a iniciativa se enquadra no conceito de “museus das mulheres”, que surgiu nos anos 1980. Tal como descreve a austríaca Elke Krasny, curadora e especialista em teoria da arte, “os museus que pesquisam, colecionam e exibem as vidas e os trabalhos das mulheres nascem com a segunda onda do movimento feminista”. Dessa forma podemos encontrar, especialmente nos países escandinavos, os primeiros museus dedicados ao direito das mulheres de reivindicar a apresentação do papel histórico, econômico, social e político delas, já em 1982, em Bonn, na Alemanha, e pouco depois no mesmo ano, com o surgimento do Kvindemuseet (Museu das Mulheres) em Aarhus, na Dinamarca.
Na década seguinte, surgiram em vários países museus sobre a história das mulheres, como o National Women’s History Museum (Museu Nacional da História das Mulheres), nos Estados Unidos, criado pela ativista Karen Staser com o objetivo não de “reescrever a história, mas de posicionar a história das mulheres e expandir o conhecimento da história nos Estados Unidos”.
Dessa forma, o NWHM contém uma mostra intitulada “Novos começos: mulheres imigrantes e a experiência americana”, em que se explica a relevância das mulheres na emigração aos Estados Unidos. “As motivações para a migração das mulheres eram variadas e complexas, e o gênero influenciou tanto nas oportunidades de emigrar como na sua chegada”, relata a exposição. Lá encontram-se histórias como a de Annie Moore, a primeira mulher – criança, na verdade – admitida na fronteira norte-americana, e explora-se o papel das migrantes involuntárias, as escravas afro-americanas.
De onde vem a tentativa de transformar em museu as experiências das mulheres? A britânica Eilean Hooper-Greenhill, especialista em museologia, narra que o espaço do museu tem sofrido uma série de mudanças na história, “passando a ser templo e espaço colonizador de um novo gênero de instituição”, com as transformações que isso implica.
Dessa forma, como explica Hooper-Greenhill, se os museus são, entre muitas outras coisas, instituições da memória, estes “agentes privilegiados penetraram em uma dimensão não necessariamente emancipadora, porém crítica, excludente e mediada pelos discursos científicos e estéticos predominantes”. Portanto, uma corrente crítica vai buscar contextualizar e tornar explícito o conflito e a exclusão presentes, e prestar atenção na existência das memórias coletivas esquecidas, enfatizando a necessidade do reconhecimento da diferença.
Os discursos de gênero não são os únicos presentes em correntes de museologia crítica. O National Museum of African American History and Culture (Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana), sobre a história das pessoas negras nos Estados Unidos, abrirá em 2016, e já faz parte do Instituto Smithsonian. Desde a América Latina, por outro lado, incide-se que a museologia crítica precisa tratar não apenas o representado, porém os fatores históricos, estruturais, profissionais e sociais que marcam a relevância do que se torna objeto de museu e do que não, e os efeitos que as últimas crises econômicas tiveram sobre os museus.
Enquanto cresce e se debate o espaço dedicado a exposições de um tipo ou de outro, estão sendo abertos o Museu das Mulheres na Turquia e o Museu do Gênero na Ucrânia, e o Museu da Mulher em Buenos Aires estabelece novas iniciativas. Todos acolhem, em maior ou menor grau, as lutas dos movimentos feministas e a história das mulheres em geral. Para além do possível otimismo, Elke Krasny avisa que a proliferação não é necessariamente sintoma de uma mudança: “Os museus de mulheres e a curadoria feminista compartilham um horizonte comum. No entanto, quase nunca se cruzam no diálogo ou na produção conjunta de conhecimento.”
Tradução: Mari-Jô Zilveti
Matéria original publicada no site do jornal espanhol El Diario.