Na direção da igualdade, mulheres assumem cargos no topo de instituições internacionais

Pela 1ª vez na história, uma mulher chefia a ONU em Genebra e três dividem a governança do comércio mundial

FONTEFolha de São paulo, por Laurence Bézaguet (Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves)
Ngozi Okonjo-Iweala, diretora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), discursa em conferência da ONU - Devra Berkowitz/ONU/Divulgação

Homens de terno e gravata ainda parecem ser os donos do mundo. Em 1º de janeiro de 2021, quase 6% dos chefes de Estado eleitos (9 de 152) e 6,7% dos chefes de governo (13 de 193) eram mulheres.

Esse equilíbrio de poder pode mudar? Em todo caso, o escritório das Nações Unidas parece estar dando passos firmes na direção da igualdade. Especialmente em Genebra, na Suíça, onde as mulheres demoraram até 6 de março de 1960 para conquistar o direito de votar e disputar eleições.

Agora, desde maio de 2019, a economista, jornalista e diplomata russa Tatiana Valovaia ocupa o cargo de diretora-geral da ONU Genebra, uma estreia histórica no mundo da ONU.

Não é a única instituição de grande porte presidida por uma mulher. Em 1º de março, a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala se tornou a primeira mulher —e a primeira africana— a tomar as rédeas da Organização Mundial do Comércio (OMC) e seus 625 funcionários.

Sua nomeação veio cinco meses depois da jamaicana Pamela Coke-Hamilton, escolhida para chefiar o Centro Internacional de Comércio (CIC). Com 120 funcionários, a missão do CIC é ajudar pequenas e médias empresas de países em desenvolvimento a expandir suas atividades de exportação.

Essa abrangente conquista igualitária parece longe de terminar. A Conferência sobre Comércio e Desenvolvimento da ONU (Unctad, em inglês) também poderá ter uma mulher no comando em breve. Já tem, na verdade, de forma interina. “Esse objetivo ainda não foi totalmente alcançado, mas é provável que o secretário-geral da ONU, o português António Guterres, esteja inclinado a indicar uma mulher para a Unctad. Desde que chegou ao poder, quatro anos atrás, ele realmente promoveu essa causa. Eu não ficaria surpresa se seu sucessor for uma mulher”, disse Isabelle Durant, ex-vice-primeira-ministra da Bélgica que, desde 15 de fevereiro, é a secretária-geral interina da Unctad, com 480 funcionários.

Pamela Coke-Hamilton, diretora-executiva do Centro Internacional de Comércio (CIC) – ONU/Divulgação

UM DIRETOR EM BUSCA DA IGUALDADE DE GÊNERO

Para Guterres, a igualdade de gênero na ONU precisa ser alcançada com urgência: “É uma das minhas prioridades pessoais. É um dever moral e uma necessidade operacional. A inclusão significativa de mulheres na tomada de decisões aumenta a efetividade e a produtividade, traz à mesa novas perspectivas e soluções, destrava maiores recursos e reforça iniciativas nos três pilares de nosso trabalho”.

Estas são, evidentemente, mais que simples palavras, já que 53% das subsecretárias-gerais de Guterres são mulheres, e, com frequência, ele indica candidatas a cargos importantes. Mas isso é só de fachada, escondendo a imagem maior? Como as mulheres estão representadas nas camadas mais baixas da ONU?

Em 2017, os homens formavam 55,9% da equipe da organização, enquanto 44,1% eram mulheres —em 2003, esse número era de apenas 36,3%. Está claro que houve progresso em direção à paridade, mesmo que os homens ainda sejam amplamente dominantes em cargos oficiais superiores, ocupando 66,3% deles. Se considerarmos um setor econômico geralmente associado aos homens, na Unctad as mulheres formam 31% do pessoal no nível de gerência sênior, e 34% de todo o pessoal.

“Ainda há espaço para melhoras, e estou trabalhando duro para promover as coisas a cada recrutamento”, disse Isabelle Durant. Ao contrário do que ouvimos com frequência, ela sente que não há escassez de talento feminino no setor econômico. É um preconceito inconsciente que gera a presença de mais homens que mulheres no processo de recrutamento. “Liderança não tem a ver apenas com a força masculina, também significa saber unir suas equipes, demonstrar empatia e respeito.”

Isabelle Durant, secretária-geral interina da Conferência sobre Comércio e Desenvolvimento da ONU e ex-vice primeira-ministra da Bélgica – ONU/Divulgação

PRESENÇA FEMININA NA OMC

Outro exemplo dessa tendência atual na direção da feminização é a diretora-geral da OMC, que acaba de nomear —em 4 de maio— duas mulheres para sua equipe de quatro vices: a americana Angela Ellard e a costarriquenha Anabel González. Mais uma vez, é uma novidade na instituição.

“Isto salienta meu compromisso de reforçar nossa organização com líderes talentosos e ao mesmo tempo alcançar o equilíbrio de gêneros em cargos seniores”, disse Okonjo-Iweala.

Entre outras chefes de organizações internacionais está a diretora-executiva da Unaids, Winnie Byanyima, uma engenheira aeronáutica ugandense nomeada em 2020.

A ascensão dessas mulheres ajudou a revitalizar a imagem da Genebra Internacional —e suas importantes negociações multilaterais—, cujo papel foi posto em dúvida pelos EUA. Há anos o sistema ONU está comprometido com a promoção da igualdade de gênero. Desde 2015, a ONU acelerou o ritmo por meio da adoção dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: um quinto deles defende igualdade de gênero.

MULHERES NA REAÇÃO PÓS-COVID

Todas essas nomeações são “muito mais que um mero sinal”, segundo a secretária-geral em exercício da Unctad. “Uma mulher não negocia da mesma maneira, ela é mais cuidadosa para garantir que tudo seja feito entre as paredes do lugar onde ocorrem as discussões”, afirmou Isabelle Durant.

“Além disso, de maneira geral, nós mulheres temos mais liberdade em como escolhemos trabalhar. Como não temos qualquer herança do passado, temos tudo a provar. Temos carta branca, mas eles estão esperando que a gente tropece.”

Isto é especialmente verdadeiro quando se trata da atual administração da crise da Covid-19, já que a pandemia tende a aprofundar e acentuar as desigualdades existentes.

Outras explicações de Durant, que estreou na política no Partido Verde da Bélgica no início dos anos 1990: “As mulheres devem se envolver na reação à Covid. Não é apenas uma questão de PIB, é também de capital humano e sociabilidade. Elas se preocupam mais com a comunidade; podem dar um toque próprio graças ao maior envolvimento na economia de cuidados. As mulheres e as organizações femininas devem ser incluídas no centro de decisões relacionadas à Covid”. E, claro, num sentido maior em geral.

O Fórum Político de Alto Nível, realizado anualmente em julho, em Nova York, analisa o progresso feito em direção aos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, incluindo o da igualdade de gênero.

A ONU pode contar com um forte defensor da igualdade na figura do secretário-geral Guterres. Mas também na de Valovaia: “Como primeira mulher diretora-geral do Escritório das Nações Unidas em Genebra e tendo trabalhado em esferas dominadas por homens durante muitos anos, meu objetivo é que as mulheres e os homens tenham oportunidades iguais em minha organização e fora dela. É evidente que não alcançaremos nenhum de nossos objetivos se a metade da humanidade for deixada de lado”.

As palavras de Blaise Matthey, diretor da Federação de Empresas Românicas de Genebra, uma organização de exportadores suíços, sugerem que há um sentimento semelhante no setor econômico. “Quanto mais uma companhia for diversificada (gêneros, idades, origens), melhor o seu desempenho”.​

Esta reportagem está sendo publicada como parte do projeto “Towards Equality”, uma iniciativa internacional e colaborativa que inclui 15 veículos de imprensa para apresentar os desafios e soluções para alcançar a igualdade de gênero.

Imagem retirada do site Folha de São Paulo
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