Não é por birra, é por justiça

Foto: Gabo Morales/TRËMA

Geralmente quando alguma feminista negra pauta a questão da mulher negra ou aponta que feministas brancas não estão fazendo os recortes necessários para pensar ações que não contemplem somente a elas, alguém diz: “pare de atacar mulheres brancas” ou “parem de criar divisões”, ou ainda “é bobagem esse lance de feminismo negro, feminismo branco, feminismo é feminismo”.

por Djamila Ribeiro, Do Lugar de Mulher

Foto: Gabo Moales

Eu já escrevi aqui uma vez e repito: é necessário parar de tratar o tema como querela. Simone de Beauvoir disse: “se a questão feminina é tão absurda é porque a arrogância masculina fez dela uma querela e quando as pessoas querela não raciocinam bem”. E de novo, eu digo: se a questão das mulheres negras é tão absurda é porque a arrogância das feministas brancas fez dela uma querela e quando as pessoas querelam não raciocinam bem”.

E é necessário raciocinar. Essas divisões que existem não foram criadas por nós, a sociedade já é dividida. Feministas brancas não podem reproduzir esse tipo de fala opressora. O feminismo negro surge justamente pra apontar essas divisões e lutar por justiça já que de forma geral, mulheres negras foram excluídas por alguns feminismos.

Um caso recente chamou a atenção. Em breve será lançado o filme “Sufragette” que conta a história das mulheres que lutaram pelo direito ao voto retratando o movimento britânico. Apesar de mulheres negras e indianas terem feito parte do movimento, o filme as invisibiliza e coloca somente atrizes brancas. Para piorar, Meryl Streep e mais três atrizes brancas posaram para a revista Time Out usando camisetas com os dizeres: “é melhor ser rebelde do que ser escrava”.

Courtesy Time Out London.

Após reclamações de feministas negras, tentaram se desculpar alegando que tratava-se de uma frase de Emmeline Pankhurst( quem Meryl interpreta no filme). Mas, a questão não é essa. Não perceber que muitas mulheres negras foram forçadas a condição de escravizadas e não tiveram escolhas mostra a falta de um olhar interseccional. Nem precisa tanto, só um pouco de sensibilidade mesmo. É fato que o movimento sufragista tinha um viés liberal e muitas mulheres negras, pobres não se sentiram contempladas. E o filme só privilegiar as vozes de mulheres brancas nos diz que ainda temos muito caminho pela frente. Mulheres brancas criticam a visão masculinista. Mas daí quando possuem privilégios usam a mesma lógica e advogam somente a favor delas mesmas.

Quando as críticas surgiram, algumas feministas brancas disseram: “ah, mas o filme é sobre mulheres e feito por mulheres, parem de reclamar” “vocês não estão satisfeitas com nada”. Não, não estamos. Enquanto continuarmos sendo apagadas não estaremos. Filme sobre mulheres? Quais mulheres? Se vocês vivessem em um mundo onde quase não se vissem representadas, não fariam esse tipo de comentário. Não podemos entrar na lógica “pouca farinha, meu pirão primeiro”. Qual o modelo de sociedade que queremos? Estamos mesmo lutando por uma sociedade mais justa ou só por aquelas como nós?

O feminismo deve contemplar todas as mulheres, é necessário perceber que não dá pra lutar contra uma opressão e alimentar outra. Da mesma forma, salvo raras exceções, não vemos grandes portais feministas convidarem mulheres negras ou compartilhar textos delas. Cria-se um corporativismo que sequer olha para além do umbigo.E é cansativo ter que falar isso o tempo todo e ainda ser tachada de birrenta. Não é por birra que reclamamos, é por justiça. Não nos enganemos, mulheres, não alimentemos as estruturas de poder porque elas atingem a todas nós. Como diz Audre Lorde: “E eu não posso escolher entre as frentes em que eu devo o combater essas forças da discriminação, onde quer que elas apareçam pra me destruir. E quando elas aparecerem para me destruir, não demorará muito para que depois eles apareçam pra destruir você.

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