Não há ‘backlash’ provocado pelo feminismo

Mulheres nas ruas durante o movimento #EleNão. (Foto: LELA BELTRÃO)

Não há um jogo de causa-consequência na resposta dos conservadores aos avanços pontuais das mulheres

Por DEBORA DINIZ e  GISELLE CARINO, do El País

Mulheres nas ruas durante o movimento #EleNão. (Foto: LELA BELTRÃO)

Lucía é uma menina de 11 anos. Seria uma criança anônima da cidade de Tucumán, no norte da Argentina. Não é mais, e a razão é assustadora. Violentada pelo namorado da avó, engravidou de um estupro. A menina chegou ao hospital por “dores estomacais”, sequer sabia da gravidez. Enquanto o hospital oferecia medicamentos para acelerar o desenvolvimento fetal, a família buscava apoio nos movimentos de mulheres nacional “Ni una menos” e #NiñasNoMadres. Lucía tentou duas vezes suicidar-se, enquanto as autoridades a transformavam em um objeto de disputa moral sobre o direito ao aborto.

Em um país em que o aborto por estupro é autorizado, porém nem sempre respeitado, importa saber, o consentimento de Lucía foi explícito. Em suas palavras, “quero que tirem o que o velho colocou dentro de mim”. Mas seu desamparo foi ignorado: foi levada a uma cesárea forçada com 23 semanas de gestação e há poucas chances de o recém-nascido sobreviver. O mais assustador desta tragédia é que este não foi um evento isolado, resultado de médicos torturadores. É uma estratégia deliberada de responder à onda verde que tomou as ruas de Buenos Aires e de dezenas de cidades pelo país, em 8 de agosto de 2018. O país esteve muito perto da descriminalização do aborto e a melhor maneira de responder é por meio do backlash, uma palavra sem tradução oficial ao português, e cada vez mais utilizada para, equivocadamente, explicar histórias como a de Lucía.

Backlash foi título de um filme de Hollywood nos anos 1940. O enredo do drama é de uma mulher acusada pelo marido de um crime cometido por ele. Era inocente, porém seu testemunho era ignorado. Foi a publicação de “Backlash: the undeclared war against women”, de Susan Faludi, nos anos 1990, que fez o conceito ganhar o léxico jurídico e os movimentos sociais. Backlash seria a resposta dos conservadores aos avanços do feminismo: como as mulheres foram à Suprema Corte no Brasil para descriminalizar o aborto, haveria um backlash no Congresso Nacional com o estatuto do nascituro; como as mulheres foram às ruas na Argentina, haveria um backlash nos serviços de saúde para atender meninas vítimas de estupro. Há um erro importante no uso do conceito––backlash não é consequência do que fizeram as mulheres no campo da política, mas, como no filme de quase um século, é simplesmente uma maneira de se contar a história do feminismo pelas lentes do poder masculino. Não é causa-consequência o jogo provocado pelo backlash, mas, apenas, a permanente resistência do patriarcado aos movimentos de justiça social como o feminismo

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