Nem tiro, nem enchentes, o povo negro quer viver!

FONTEPor Anielle Franco, do ECOA
Anielle Franco (Foto: Bléia Campos)

Iniciamos a semana passada com a triste notícia do assassinato do Hiago Macedo de Oliveira Bastos, vendedor de balas, 22 anos de idade, pai de uma bebê de dois anos. Na última segunda-feira (14/02/2022), o jovem foi morto a tiros em plena luz do dia por um policial militar de folga em frente ao terminal das barcas onde Hiago trabalhava em Niterói, estado do Rio de Janeiro.

Mais um jovem negro que não voltou para casa no fim do dia. Mais uma vida perdida para a estatística de genocídio da juventude negra no país. Segundo a ONU, a cada 23 minutos morre um jovem negro no Brasil. Não à toa, gritamos que vidas negras importam! Queremos o fim do genocídio e da violência policial contra nossos corpos. O racismo nos coloca diante do medo cotidiano pelas nossas vidas e ele não se operacionaliza apenas pela violência do braço armado do Estado, mas nos mata das mais diversas formas.

O racismo está colocado tanto nesta situação, na qual um jovem negro ao tentar vender uma bala foi assassinato pela polícia, como está presente na modalidade do racismo ambiental que se mostra em casos de emergência climática. Isso pode até parecer um assunto totalmente diferente, mas se analisarmos mais detidamente, perceberemos que o aquecimento global torna cada vez mais comuns eventos como a tempestade e deslizamentos ocorridos em Petrópolis na semana passada, ocasionando a destruição de casas e a morte de pessoas que, em sua maioria, são negras e pobres.

Na coluna desta semana, não poderia deixar de prestar toda minha solidariedade à população de Petrópolis, que, um dia após a morte de Hiago, sofreu com chuvas intensas e centenas de deslizamentos de terra que deixaram mais de 100 mortos — número que só cresce com o passar das horas e dias. Muitos vídeos viralizaram nas redes sociais mostrando imagens chocantes de deslizamentos de terras e ruas e avenidas transformadas em rios, arrastando tudo pelo caminho: árvores, carros, ônibus e gente. Os estados da Bahia e Minas Gerais também passaram por chuvas intensas que deixaram dezenas de mortos e causaram danos a centenas de municípios.

Segundo os cientistas, tais eventos vêm se tornando cada vez mais comuns devido às mudanças climáticas. Por isso, longe de ser “falta de visão do futuro” de pessoas que moram em áreas onde ocorreram deslizamentos de terra, o que estamos vendo é o resultado da falta de políticas de contenção de morros e encostas, mas também da emergência climática que se agrava a cada dia, e que, apesar de consistir em uma ameaça para a existência da humanidade como um todo, atinge mais fortemente pessoas negras e pobres sem acesso a áreas seguras dos centros urbanos para morar, ou muitas vezes, sem acesso à moradia, ao saneamento básico ou à coleta seletiva.

Assim, a população negra é sistematicamente submetida a situações de degradação ambiental. O racismo não apenas mata com tiro todos os dias mas também, no âmbito ambiental, justifica as mortes por deslizamento e alagamento.

Por tudo isso, acredito que a mudança para o enfrentamento ao racismo precisa ser estrutural, para que o povo negro possa viver e viver bem, sem medo de morrer de bala, de fome, de deslizamento de barreira… Pelo fim do genocídio da população negra! Vidas negras importam!

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