Baga não me deixa dormir, dois mil mortos em cinco dias. Antes, 276 meninas sequestradas de uma escola para serem diariamente estupradas pelos assassinos do Boko Haram, nos intervalos entre uma invasão e outra a cidade ou vilarejo da Nigéria, quando, então, aproveitam para estuprar todas as meninas e mulheres que encontram pela frente, antes de mata-las. Como faziam os Hutu com as mulheres Tutsi em Ruanda, 1994.
Por Cidinha da Silva Do Cidinha da Silva
Baga? Boko Haram? Meninas sequestradas em escolas para serem submetidas a estupros diários e múltiplos por terroristas? Ruanda? O que é isso? Quem são esses? Pelos nomes, parecem ser de algum lugar da África, não é? Que horror! Como é que os pais matriculam essas meninas numa escola sem segurança? Se não têm segurança pública por que não contratam segurança privada como a gente faz aqui no Brasil? O que? 50 escaparam sozinhas? Estás a ver, as que ficaram têm algum tipo de conivência com os malandros. Por que não acompanharam as outras? Era só pular do caminhão em movimento e se embrenhar na mata.
Em Ruanda, África Central, 1994, ao fim de seis semanas de genocídio contabilizaram-se mais de um milhão de mortos. 167 mil pessoas por semana. 24.000 pessoas por dia. 1.000 pessoas por hora. Será que as pessoas ainda têm Ruanda na cabeça? Se não têm, como conseguiram esquecer? Se não têm conhecimento, como conseguiram não saber e não contar sobre o genocídio às novas gerações? Contaram? Será que o fizeram de uma forma tal (de degradação da humanidade dos negros) que nem milhares de mortos africanos em conflitos civis sensibilizam corações? Terá sido a lavagem cerebral racista tão eficiente que, hoje, as pessoas jantam em frente aos televisores e comem, anestesiadas, as centenas de corpos negros dizimados em cinco dias de ação do Boko Haram em Baga, última cidade do nordeste nigeriano resistente à expansão sanguinária do grupo?
Ahh… deixa estar, são africanos! Os números de mortos nas tragédias deles são gigantescos. Estamos acostumados. O pessoal fala da China, mas na África também tem gente que não acaba mais.
Os 55 países africanos, a intervenção predatória das potências europeias na cultura local, a dizimação e escravização subsequentes, os interesses da indústria bélica, do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional, dos exploradores de diamantes e dos mananciais de água potável, e a China, devem mesmo ser comparáveis aos olhos de quem gosta de grandes quantitativos de corpos desvalidos para noticiar.
E por que havemos de nos importar com o número de mortos entre os africanos? Com as 276 meninas negras sequestradas para escravização sexual? Com os 83 jovens negros mortos por dia na guerra civil do Brasil? Eles são negros, não têm pedigree, não são franceses, não têm uma civilização para resguardar. Eles são pretos, são selvagens, não são civilizados. Elas são meninas negras, seriam o que mesmo na vida? Que futuro as esperava? Nenhuma delas viria a ser uma jornalista crítica que influenciaria gerações trabalhando no Charlie. Eles se entendem, se merecem. Eles que comprem nossas armas, se matem, façam o trabalho sujo e deixem o caminho livre para explorarmos o ouro negro.