No Dia Laranja, ONU Brasil aborda violência de gênero contra mulheres trans e travestis

Para marcar este 25 de janeiro, #DiaLaranja pelo Fim da Violência contra as Mulheres e Meninas, a ONU Brasil apresenta a história de Bruna Benevides, mulher trans que criou um dossiê para documentar a violência contra travestis e transexuais.

Da ONU

O ativismo de Bruna também inclui projetos para a inclusão da população trans no ensino superior e para a capacitação de agentes de segurança, a fim de combater a discriminação no atendimento a pessoas LGBT.

Bruna Benevides, ativista e mulher trans. Foto: Arquivo pessoal

Bruna Benevides é militante e defensora dos direitos humanos da população LGBTI, em especial das pessoas trans e travestis. Coordenadora e articuladora do Instituto Brasileiro Trans de Educação e presidenta do Conselho LGBT de Niterói, ela também é vice-presidenta da Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública LGBT. Bruna se identifica como “uma mulher trans, identificada pela sociedade como travesti”.

Desde 2016, está na Diretoria da ANTRA, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais, e é responsável pela elaboração do Dossiê dos assassinatos e violência contra travestis e transexuais no Brasil. Levantamentos deste tipo já existem há mais de 30 anos no Brasil, feitos por outras instituições, mas Bruna afirma que “ficava muito incomodada com esses dados e a maneira como eles aconteciam porque muitas vezes consistiam apenas em números, mas não se transformavam em nenhuma ação propositiva”.

Assim, por iniciativa própria, decidiu criar o Dossiê e transformá-lo em um novo instrumento de defesa de direitos para acabar com a violência de gênero contra a população trans, inclusive mulheres trans e travestis.

O monitoramento de 2018 será lançado no Dia da Visibilidade Trans (29/1) deste ano, durante a VI Semana Nordestina da Visibilidade Trans, que acontece em Recife, Pernambuco. Elaborado pela ANTRA e o Instituto Brasileiro Trans de Educação, com o apoio de oito instituições nacionais e duas internacionais, o documento foi ampliado para incluir as tentativas de homicídio, outros tipos de assassinatos motivados por transfobia estrutural e casos não elucidados, além de outras violações de direitos humanos.

Em 2018, o Dossiê foi apresentado na Casa da ONU, em Brasília. O relatório foi entregue a representantes do Sistema das Nações Unidas no Brasil e à presidenta da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Bruna conta que a população trans e travesti está no foco da violência de gênero, principalmente a partir do momento em que se une ao feminismo. “Quando passamos a empoderar umas às outras, ‘ameaçamos’ o poder hegemônico, do patriarcado, e nos tornamos as primeiras pessoas ‘caçadas’ e violentadas”, explica a militante LGBTI.

“Os índices estão aí pra comprovar que o Brasil é um dos países que mais violenta e mata pessoas por questões de gênero feminino.”

Bruna com a bandeira do movimento trans. Foto: Arquivo pessoal

Segundo a ativista, a violência é extremamente presente na vida das pessoas trans, pois “é a primeira instituição social que a população trans conhece quando passa a conviver fora do ambiente familiar – isso quando essa violência não acontece ainda dentro do próprio ambiente familiar, como em alguns casos”.

Além dos dados, o Dossiê traz também uma análise mais aprofundada dos casos, com o número de pessoas mortas, gênero, raça, classe e contexto social. Para Bruna, o documento busca dar visibilidade às pessoas trans e travestis como pessoas totalmente capazes de construir, saber e dar conta de sua narrativa.

“A importância do monitoramento é dar visibilidade aos dados, com foco na efetivação de denúncias para que esses dados sejam usados para pleitear políticas públicas”, explica.

“A partir do relatório, podemos provar para o Estado que estamos sendo assassinadas por questões de gênero e por sermos quem somos.”

O levantamento é feito por meio de pesquisas em dados de jornais, e os resultados já são visíveis. No primeiro ano, apenas 22% das mídias jornalísticas respeitavam a identidade de gênero das vítimas. Em 2018, esse número passou para 66%. “Esse avanço também auxilia no levantamento de dados porque, às vezes, temos dificuldade com jornais que publicam que ‘homem vestido de mulher é assassinado’. Agora somos respeitadas, usam os pronomes corretos, conseguem minimamente chegar ao entendimento de que é uma pessoa trans, travesti ou mulher transexual”, conta Bruna.

Além da participação na diretoria da ANTRA, a ativista é segundo-sargento da Marinha do Brasil e ingressou na carreira militar há mais de 20 anos. Há três anos, ela também é coordenadora e articuladora do curso preparatório para vestibular ‘PreparaNem’ (em referência à gíria carioca ‘nem’, usada para representar as pessoas da preferia). O curso é voltado para pessoas LGBTI em vulnerabilidade, com foco em indivíduos trans e travestis. O método de ensino é alternativo e as turmas são reduzidas. Cerca de 70% dos alunos são mulheres trans e 70% dos índices de aprovação também são dessa população.

“O foco principal é restabelecer a escolaridade perdida e garantir que essas pessoas possam concorrer em ‘pé de igualdade’, não só para a formação acadêmica, mas para o próprio empoderamento, o fortalecimento da entrada no mercado formal de trabalho. É criar a oportunidade que falta, digamos assim, pelo menos no campo educacional.”

Bruna explica que o impacto do curso no combate à violência é grande porque abrange uma rede maior, que vai além dos alunos, alcançando também os professores e professoras voluntários. “São cerca de 70 pessoas atendidas direta e indiretamente que podem fortalecer e criar uma rede de apoio e cuidados para resgatar a autoestima, fortalecer a reinserção nos espaços sociais e profissionais, gerar renda e o próprio reconhecimento da independência”, afirma. Hoje o Instituto Brasileiro Trans de Educação fornece o curso preparatório em 27 cidades do Brasil.

Bruna também dá contribuições importantes em seu trabalho na Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública LGBT, como a Cartilha de Segurança para População LGBT, de sua autoria, que busca mostrar à população LGBT como minimizar os riscos de violência e se fortalecer para fazer denúncias.

A ativista também é coautora do Manual de Atendimento e Abordagem para População LGBT por Agentes de Segurança Pública. De acordo com Bruna, o combate à violência de gênero é um dos focos do material, “principalmente porque abordamos as questões de segurança e autossegurança, autopreservação e segurança pública das pessoas”.

“Nos deparamos com altos índices de feminicídio e de violência doméstica, então temos esse olhar interseccional e acabamos chegando exatamente numa população que é de gênero feminino, de gênero divergente do masculino, negra e periférica”, acrescenta.

Além da violência, as pessoas trans e travestis também enfrentam dificuldades de acesso a serviços de saúde. Dados mais recentes do Ministério da Saúde estimam que entre 18% e 31% das travestis e pessoas trans no Brasil estejam vivendo com HIV. Entre a população em geral, essa prevalência é de 0,4%.

Segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), no mundo, travestis e mulheres trans têm até 49 vezes mais chances — em comparação com a média das pessoas com vida sexualmente ativa — de se infectar pelo HIV ao longo da vida. Globalmente, estima-se que 19% das mulheres trans e travestis vivam com HIV.

Diante do cenário do movimento trans no Brasil, Bruna acredita que “o que falta para conseguirmos combater melhor a violência de gênero é estar junto da luta das mulheres”.

“É de suma importância estar claro que o combate e enfrentamento à violência de gênero é uma luta não apenas de mulheres cis, mas também de pessoas trans e travestis e todas aquelas que são atravessadas pela violência de gênero. Precisamos, cada vez mais, nos aproximar dos movimentos e lutar pelo reconhecimento da nossa identidade de gênero”, completa a militante.

Para o mês da Visibilidade Trans, Bruna faz um chamado: “Convido as pessoas que não participam dos espaços de construção e de militância a se aproximarem e que venham somar. No final das contas, ainda somos poucas lutando por muitas. Quando formos muitas lutando por todas, as coisas podem começar a mudar mais efetivamente”.

#DiaLaranja pelo Fim da Violência contra as Mulheres e Meninas

Celebrado no dia 25 de cada mês, o Dia Laranja Pelo Fim da Violência contra as Mulheres e Meninas alerta para a importância da prevenção e da resposta à violência de gênero. Sendo uma cor vibrante e otimista, o laranja representa um futuro livre de violência, convocando à mobilização todos os meses do ano, culminando no 25 de Novembro, Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres. #UseLaranja todo dia 25.

O Dia Laranja integra a campanha do Secretário-Geral da ONU UNA-SE Pelo Fim da Violência contra as Mulheres, lançada em 2008, com o objetivo de dar visibilidade e aumentar a vontade política e os recursos designados a prevenir e responder à violência de gênero.

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