No mês da consciência negra o Justificando lança coluna ‘Vozes Negras’

FONTEPor Vozes Negras, do  Justificando
Divulgação

No mês da consciência negra, oito juízas e juízes e oito defensoras e defensores públicos negros aterrissam no Justificando com uma coluna que pretende iluminar temas e discussões nem sempre presentes nas publicações dos sites jurídicos: o direito e as relações étnico-raciais. A coluna, veiculada às terças, é coordenada por Eduardo Pereira da Silva, Isadora Brandão e Kenarik Boujikian.

É inegável que a inauguração de um espaço que possibilite a reverberação de vozes negras do campo jurídico constitui, por si só, uma iniciativa arrojada. Isso se levarmos em consideração a subrepresentação de negros(as) nos quadros das instituições que compõem o sistema de justiça e o longo caminho que ainda precisamos precorrer para que estas reflitam o mosaico plurirracial e pluriétnico que define a sociedade brasileira e é, sem sombra de dúvidas, o seu maior patrimônio.

Contudo, a coluna pretende ir além. Assumimos também o desafio de provocar, todas às terças-feiras, reflexões sobre temas jurídicos das mais diversas áreas, tendo a raça como categoria analítica. Enfrentar esse desafio compreende desvelar a maneira pela qual o Direito é informado pela raça, assim como identificar como ele atua, a partir de suas prescrições normativas e aplicação prática, para produzir e reproduzir as hierarquias raciais.

Se admitimos que o racismo é estrutural e estruturante, ou seja, que ele não é apenas uma reminiscência ideológica da escravidão, mas um sistema de poder contemporâneo que articula as relações interpessoais, coloniza o imaginário social (campo simbólico) e domina as instituições econômicas, políticas e jurídicas, este é um caminho inescapável para quem se ocupa de elaborar estratégias de emancipação social de cunho antirracista.

Mais do que lembrar pontualmente do assunto no mês de novembro, pretendemos inaugurar um espaço de reflexão permanente, no qual experiências e estudos produzidos em diversas regiões do país, dentro da academia e das instituições que compõem o sistema de justiça, encontrem abrigo e possam ser compartilhados com toda a comunidade jurídica.

Reconhecemos que os nossos passos fazem parte de uma caminhada ancestral que antecede a todos e todas que estão aqui. Os registros de resistência que constituem essa trajetória remontam aos quilombos, atravessam os saberes populares construídos nos terreiros, nas rodas de samba, nos afoxés, nas periferias, nos bailes funks, nos slams, na literatura de cordel etc e as elaborações do(a)s incansáveis pensador(a)es da questão racial, em seus trânsitos e intercâmbios ao longo do Atlântico negro.

Sankofa é o ideograma que ilustra esse nosso intento de olhar para o passado para ressignificar o presente e construir o futuro.

Sankofa é o ideograma que ilustra esse nosso intento de olhar para o passado para ressignificar o presente e construir o futuro. Ele é também símbolo que traduz uma perspectiva cosmológica afrocentrada e que guia o nosso esforço coletivo em torno da construção de um outro projeto civilizatório.

O êxito desse projeto não pode prescindir dos saberes constituídos secularmente nas trincheiras da resistência negra, ao longo das gerações, os quais têm edificado as bases epistêmicas para o questionamento da linguagem, dos signos e do padrão hermenêutico eurocêntrico, colonialista, androcêntrico e racista que permeiam os mecanismos estatais de solução de conflitos.

Discriminação indireta, racismo estrutural, institucional, ambiental e religioso, interseccionalidade, representatividade, ações afirmativas e políticas públicas voltadas para populações vulneráveis são apenas alguns dos muitos conceitos que juristas brasileiros ainda desconhecem ou manejam com dificuldade.

Na nossa coluna, esses conceitos ocuparão um lugar de necessário prestígio. Também aqui serão merecidamente citados juristas e pensadores(as) brasileiros(as) de peso que têm se dedicado ao estudo das relações raciais no país, embora não sejam suficientemente festejados(as) em publicações jurídicas mais tradicionais.

Com esta coluna inauguramos um processo de fissura nos espaços de silêncio e apagamento que historicamente os juristas eurocentrados reservaram aos pensadores negros e às questões raciais, cientes que somos de que as bases dos direitos fundamentais e sociais duramente conquistados na negociação do estado democrático brasileiro, ainda tão frágil, são frutos da resistência dos movimentos negros com suas ações políticas e epistêmicas ainda não amplamente reconhecidas.

A superação do déficit democrático até agora experimentado por nossa sociedade – assentada sobre a exclusão da maioria populacional e subalternizada do acesso ao produto nacional e à participação política equânime – demanda o contundente enfrentamento do racismo em todas as suas complexas engrenagens.

Estamos engajados na construção de um devir em que seja apagada a linha abissal que insiste em apartar negros e brancos, no qual, portanto, a nossa humanidade possa ser plenamente restituída.

Impõe-se, nesse trilhar, o combate ao genocídio-etnocídio subentendido no projeto de Estado-nação brasileiro e à propalada ideologia do embranquecimento, através do cultivo e fortalecimento da nossa identidade negra, do resgate da nossa memória coletiva que insistem em apagar e da valorização do legado de Zumbi e Dandara dos Palmares e de tanto(a)s outro(a)s.

Esse raro encontro é também um sinal de seu tempo. A sociedade brasileira finalmente começa a perceber que não há projeto viável de país que não contemple uma participação negra equitativa em todos os seus espaços, incluindo os espaços de poder e de produção de conhecimento.

Esperamos que este seja também um círculo de solidariedade, de acolhimento, de resistência e de esperança em um futuro melhor!

Ubuntu!

Conheça nosso time de colunistas

Adriana Meireles Melonio – Juíza do Trabalho no Estado do Rio de Janeiro

Camila Moura de Carvalho – Juíza do Trabalho em Campinas – São Paulo

Charlene Borges – Defensora Pública Federal no Estado da Bahia

Denize Souza Leite – Defensora Pública do Estado do Tocantins

Edinaldo César Santos Junior – Juiz de Direito do Estado de Sergipe

Eduardo Pereira da Silva – Juiz Federal no Estado de Goiás

Flávia Martins de Carvalho – Juíza de Direito do Estado de São Paulo

Gilmar Bittencourt Santos Silva – Defensor Público do Estado da Bahia

Isadora Brandão – Defensora Pública do Estado de São Paulo

José Antônio Correa Francisco – Juiz do Trabalho Substituto no Estado do Amazonas

Karen Luise Vilanova Batista de Souza – Juíza de Direito do Estado do Rio Grande do Sul

Livia Casseres – Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro

Lúcia Helena – Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro

Manuela Hermes de Lima – Juíza do Trabalho no Estado da Bahia

Rita Oliveira – Defensora Pública Federal no Estado do Paraná

Salomão Neto – Defensor Público do Estado de Goiás

 

Fonte: Por Vozes Negras, do  Justificando
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