Nós, brancos, precisamos estudar o Brasil a partir de autores negros 

FONTEECOA, por Mariana Belmont
iStockphoto

Em um ano confuso, difícil e com grandes problemas mundiais vindo à tona, fora a crise sanitária, várias coisas fazem mais sentido. O mundo todo – e também a nossa classe média alta pra cima – descobriu admirado que existe desigualdade social. Como assim no dia dois da pandemia da Covid-19 já temos pessoas passando fome e sem emprego?

Os olhos estavam fechados de propósito. E alguns ainda seguem assim, num ato contínuo de “desver” – desde a invasão dos portugueses no Brasil, aquele momento que tudo começou a dar errado em terras tropicais.

Certamente naquela época outros planetas nos olharam e pensaram “essa galera não vai dar certo, vão ferrar com tudo aí nesse pedaço do mapa”, e deu.

O racismo existe sim, vice-presidente Mourão. Por mais que você e toda essa turma horrível que hoje ocupa Brasília diga que não, simplesmente para manter um plano genocida, o racismo existe e é estrutural, sendo o problema mais grave neste país. Prova disso são as mortes de milhares de jovens por ano nas nossas periferias e nos supermercados como o Carrefour.

Mas será que mesmo com os dados, os fatos, as imagens, as notícias e tudo que está colocado diariamente no café da manhã dos brasileiros, nós brancos percebemos o que causamos de grave no mundo, quais são nossos privilégios e como podemos lidar com o racismo diário? Diferente dos negros, que precisam lidar com as questões raciais desde cedo, nós brancos não costumamos enxergar nossa raça. Aí a branquitude é encarada como padrão universal de pessoas.

Na cena final de Scandal, série que terminei recentemente e já estou saudosa da família Pope, o Eli Pope, um homem negro, encara os senadores norte-americanos, todos homens brancos de meia idade, em um depoimento:

“Eu fiz tudo isso por uma necessidade, eu fiz isso tudo por vocês. Os encarregados, os mestres do universo, homens brancos cuja complacência, cuja o privilégio deixou esse país em estado de abandono. Vocês eram todos crianças que não cuidavam de seus brinquedos, deixavam na chuva para deixar apodrecer. Eu não nasci com o seu privilégio, me ensinaram a respeitar as coisas que eu tinha, cuidar delas, a nutri-las, e eu fiz isso nos últimos 30 anos”

É só um trecho, eu recomendo assistir essa série longa e maravilhosa inteira.

Eu cresci em um bairro da periferia da cidade de São Paulo, um bairro rural, pobre e que também me deu privilégios. Eu era uma garota branca na escola, com a maioria de crianças negras.. O debate racial nunca foi pauta de aula na escola, mas era em tom de brincadeira, vindo das conversas que tínhamos no fundo da sala, falado pelos meninos. Foi na escola que descobri que tinha mais privilégios por ser branca do que qualquer amigo e amiga que estavam comigo desde o pré até o terceiro colegial.

Quando pensei no que escrever na coluna desta semana, me veio a ideia de indicar sites, livros e outras referências de intelectuais negros, que escreveram a história deste país. Pessoas que ampliam a perspectiva, estudam e escrevem sobre a importância dos movimentos negros para a trajetória brasileira. Mulheres negras que nos ensinam a olhar para o feminismo com um olhar mais conectado com a vida real e apontam as violências cotidianas, e que precisam de repercussão nacional de todos para que isso acabe.

Tomei a liberdade de listar algumas coisas que nós brancos precisamos ler para aprofundar nossos olhares e entendermos, de uma vez por toda, que o problema do racismo é grave e urgente. Ele precisa ser encarado de frente e agora por todas as áreas e por toda a sociedade.

Pessoas, autores, artigos, etc…

  • Geledés – Instituto da Mulher Negra, organização da sociedade civil fundada em 30 de abril de 1988, que se posiciona em defesa de mulheres e negros por entender que esses dois segmentos sociais padecem de desvantagens e discriminações no acesso às oportunidades sociais em função do racismo e do sexismo vigentes na sociedade brasileira;
  • Em 2019 eu comecei a participar de um grupo de leitura da tese de doutorado da filósofa e escritora Sueli Carneiro, foi meu primeiro grupo de leitura da vida e, olha, o que posso dizer é que mesmo o grupo precisando parar por um tempo, eu continuei lendo e ouvindo Bianca Santana sobre esse trabalho absurdamente atual e necessário. Deveria ser livro obrigatório nas salas de aula, recomendo muito: “A Construção do Outro como Não-Ser como fundamento do Ser” ;
  • Todas as colunas da jornalista, escritora, cientista social e doutora em Ciência da Informação, Bianca Santana aqui no Ecoa – e na Revista Gama;
  • Thula Pires, Professora de Direito Constitucional PUC-Rio. Gosto muito desse texto dela: “Racionalizando o debate sobre direitos humanos”;
  • Leia e acompanhe Winnie Bueno, Iyaloríxa do Ile Aiye Orisha Yemanja (Pelotas/RS). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pelotas;
  • 25 Privilégios de que Brancos usufruem simplesmente por serem Brancos (BEM IMPORTANTE);
  • Coalizão Negra Por Direitos, articulação com mais de 150 organizações, coletivos e entidades do movimento negro e antirracista de todo o Brasil, que atuam coletivamente na promoção de ações de incidência política nacional e internacional na defesa dos direitos da população negra brasileira;
  • O medo dos brancos em falar de branquitude, do Bruno Ribeiro Oliveira no Le Monde Diplomatique Brasil;
  • Gente Branca – O que os brancos de um país racista podem fazer pela igualdade além de não serem racistas?;
  • Milton Santos;
  • Leia e acompanhe Douglas Belchior, professor de história e fundador da Uneafro Brasil;
  • Um livro maravilhoso que li recentemente, devorei, foi “Torto arado”, do Itamar Vieira Junior. Um romance que nos apresenta a história que a história branca não conta, em forma de romance;
  • O livro “Entre o Encardido, o Branco e o Branquíssimo da Lia Vainer Schucman (mulher branca) Aqui nesse vídeo ela conta sobre o livro, vale ver;
  • Conheça, apoie e acompanhe a Uneafro Brasil;
  • Eu, Mariana, fui convidada pelas parceiras do Nós, Mulheres da Periferia para trocar uma ideia sobre ser mulher branca periférica e reconhecer meus privilégios, papo muito necessário – só colar aqui e ouvir e pitacar;
  • Ouvir todas as músicas de Mateus Aleluia, Emicida, Jovelina Pérola Negra, Leci Brandão, Dona Ivone Lara;
  • Portal Alma Preta de Jornalismo.

Enfim, eu poderia ficar horas aqui listando textos, sites de referência, pessoas e livros. Eu com certeza esqueci de alguém.

Precisamos extrapolar a frase tranquila “não sou racista”, ultrapassar essa afirmação que muitas vezes é falsa. A maioria das pessoas brancas não se percebem brancas, não percebem seus privilégios e fingem não perceber.

Os homens brancos, aqui eu trago essa oarcela da população que me parece o combo dos problemas da sociedade. Além do machismo, o homem branco heterossexual traz consigo todos os privilégios da sociedade, inclusive o ego e a soberba de achar que pode mover e comandar as estruturas. Aquele homem universal que o pai Pope fala lá no começo do meu texto. Um buraco na nossa democracia, que existe hoje para também fazer a manutenção dos privilégios das pessoas brancas.

“Estudar a branquitude é tentar entender como o racismo também influencia a vida dos brancos, trazendo privilégio material e simbólico. Todo mundo que pensa no racismo acaba pensando naquele que sofre as consequências. Mas se tem pessoas que sofrem as consequências do racismo, se tem desvantagens, é porque tem pessoas com vantagens. E não se tem colocado o dedo na ferida das pessoas que têm vantagens”

—Lia Vainer Schucman, doutora em psicologia e autora de “Entre o encardido, o branco e o branquíssimo: Branquitude, Hierarquia e Poder na Cidade de São Paulo”, em entrevista ao UOL.

Se a gente tivesse aprendido na escola, do ensino básico até a universidade sobre temas fundamentais do nosso país, e tivesse lido intelectuais negros e negras, que produzem conhecimento com excelência, o Brasil com certeza seria um país melhor.

Uma educação antirracista é fundamental para interrompermos o genocídio da população negra no Brasil. E é nossa responsabilidade falar e combater o racismo.

Em qualquer espaço, com quaisquer pessoas, de qualquer idade, é necessário que nós brancos nos posicionemos. Não há espaço para situações e comportamentos racistas, não devemos ficar confortáveis com isso. Se você ainda não percebeu que você é uma pessoa branca privilegiada, vamos começar hoje?

É urgente!

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