Nós falamos, mas vocês nos ouvem? Lázaro Ramos e atletas relatam luta contra o racismo

FONTEPor Dayana Natale, Elton de Castro, Felipe Ruiz, Guilherme Pereira e Levi Guimarães Luiz, do Globo Esporte
Lázaro Ramos comenta sobre luta contra o racismo — Foto: Reprodução / TV Globo

“Jamais estaremos satisfeitos enquanto nossas crianças tiverem suas individualidades e dignidades roubadas”. A voz de Martin Luther King, líder do movimento negro, trazia a esperança de que homens e mulheres de pele escura pudessem transitar em condições de igualdade aos brancos.

Passados 52 anos da morte do revolucionário ativista, as mortes de João Pedro e Miguel, no Brasil, e George Floyd, nos EUA, e a revolta em torno delas mostram que o desejo de Luther King ainda está distante. Mas jamais será silenciado. O menino nascido na periferia de Memphis, EUA, fez do seu sonho um grito que, até os dias atuais, mobiliza milhões de negros em busca de igualdade.

Negro, periférico, nascido em São Paulo, Danilo das Neves Pinheiro viveu, desde os primeiros dias de vida, a opressão comum ao povo de pele preta. Sem muitas opções, buscou no futebol a esperança para não fazer parte da estatística que aponta que 75% dos mais pobres no Brasil são pretos.

Virou Tchê Tchê, um meio-campo rápido, que usou a habilidade com as pernas para superar a barreira social e homenagear quem lhe deu poder de fala: Martin Luther King.

– Vim de uma origem muito humilde. Sei o que é ser negro, o que é entrar no shopping e as pessoas olharem tipo: o que ele está fazendo aqui? Muitas vezes o direito de sonhar nos é tirado. Porque quando a gente é criança, a gente planeja, tem vários sonhos, mas ao meu ver, o que é vendido é que não temos essa condição.

“Hoje, temos o privilégio de ser uma voz no nosso país e ser alguém que as pessoas se espelham. Essas tatuagens eu fiz quando estava na Ucrânia. Se não me engano, depois de alguma situação que acabei sofrendo lá.”

Tchê Tchê e as tatuagens de Malcom X e Martin Luther King — Foto: Reprodução / TV Globo

O posicionamento de Tchê Tchê diante das causas do movimento negro é algo raro, mas não inédito. Ídolo máximo do Atlético Mineiro, o ex-atacante Reinaldo também buscou no movimento negro americano a inspiração para se posicionar em campo.

“Comecei a comemorar os gols com o punho cerrado. Era uma alusão ao movimento Black Power dos Panteras Negras, dos pretos norte-americanos. Eu queria dar maior visibilidade a esse movimento aqui no Brasil, onde existe um racismo covarde, um racismo velado. Tanto na sociedade, como no esporte.”

O racismo covarde, apontado por Reinaldo, é o responsável por perseguir atletas e técnicos negros depois de seus posicionamentos a favor da luta antirracista. Foi assim com ele, assim como com Paulo Cezar Caju, Lula Pereira, Tinga, Cristóvão Borges, Aranha… Silenciamento que ultrapassa os campos de futebol.

Reinaldo, ídolo do Atlético-MG, faz gesto em alusão aos Panteras Negras — Foto: Reprodução

Primeiro campeão pan-americano de taekwondo, Diogo Silva lembra com detalhes as consequências de, assim como Reinaldo, erguer o punho cerrado ao subir no pódio durante as Olimpíadas de Atenas, em 2004.

“Eu fui perseguido politicamente, meu salário foi cortado, meus projetos não eram aprovados. Eles tentavam me invisibilizar.”

– As pessoas hoje lembram de mim muito mais pelas minhas atitudes do que pelos meus resultados. Outra consequência? Mercado não apoia a desobediência. Porque eles têm um padrão de ordem que para nós, que está do outro lado, é a desordem. Eles querem a obediência. A obediência é: termine sua graduação, faça pós graduação, mestrado, aprenda outra língua, para que você receba o menor salário sendo o mais qualificado e tendo o maior número de horas trabalhadas.

A dor da fala, não é meramente econômica. Ator, escritor, diretor e apresentador, Lázaro Ramos é uma voz ativa dos negros e negras no Brasil. Há cinco anos interpretando Luther King no teatro, ele reconhece o quão difícil é falar sobre um tema que abre as cicatrizes deixadas por uma vida de luta.

“Quando eu era pequeno, nunca sonhei em ser uma voz contra o racismo. Hoje em dia eu falo, mas não tenho nenhum prazer em falar sobre isso. Mas pela situação que a gente vive e por ter o privilégio de ter uma voz, eu falo porque posso tocar o coração das pessoas.”‘

Jurista e PHD em filosofia, Silvio de Almeida traz na repressão à maioria a explicação para a perseguição ao povo de pele escura. Numa sociedade em que 56% da população é negra, cabe à elite o papel de oprimir e silenciar para manter a estrutura classista no Brasil. Um contraponto aos EUA, em que apenas 13% da população é negra.

“No Brasil, os negros são maioria e para manter a desigualdade social que existe no Brasil, o Estado tem que ser muito mais violento do que o Estado americano. O racismo sempre é um flerte com a morte. Mais do que um flerte com a morte, o racismo é um casamento com a morte. A morte é o último estágio.”

Pesquisador e responsável pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol, Marcelo Carvalho reconhece as dificuldades de falar, mas acredita que posicionamentos como os de Tchê Tchê são determinantes para auxiliar o combate ao racismo. Não só no futebol, mas numa sociedade em que um jovem negro morre a cada 23 minutos, segundo a Organização das Nações Unidas.

“Quando a gente fala em posicionamento de jogador de futebol no Brasil, porque atletas de futebol não se posicionam, a gente deve lembrar que falar de racismo para nós negros, jogadores negros, é buscar na memória algo extremamente ruim. É buscar na memória uma situação marcada por algo negativo.”

Falar do não posicionamento dos atletas é mais uma forma de trazer o recorte para um olhar racista. Afinal, qual o espaço dado para que negros e negras mostrem que suas conquistas e lutas valem mais que suas dores?

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