Nunca fui tão humilhado, diz confeiteiro que acusa segurança de racismo

FONTEFolha de São Paulo, por Waleska Borges
O confeiteiro Bernardo Marins, 20, em fotos feitas dois antes de seu aniversário, 18 de agosto, quando relata ter sofrido racismo em supermercado do Rio - Arquivo Pessoal

“Muita vergonha”. Foi assim que o confeiteiro e cake designer Bernardo Marins, 20, descreve o seu sentimento ao ser, segundo ele, perseguido por um segurança do Extra Hipermercado, do bairro Alcântara, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio. “Queria sair de lá correndo”, completa.

O confeiteiro afirma que no ultimo dia 18 ele foi seguido por um segurança do local que o chamou de “ladrãozinho”. O segurança foi afastado da função temporariamente.

A denúncia de Bernardo foi registrada na segunda-feira (24) na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), no centro do Rio. Morador de uma comunidade do bairro Galo Branco, também em São Gonçalo, ele conta que tinha ido até ao estabelecimento para comprar ingredientes do seu bolo de aniversário, que comemorava naquele dia.

Segundo Bernardo, ele entrou no local com uma sacola plástica de uma compra que havia feito em outro estabelecimento. Ele disse que pegaria poucos ingredientes e, por isso, não usou carrinho para colocar os produtos que compraria no Extra.

“Assim que eu entrei, ele (o segurança) começou a me seguir. Falava no rádio com outra pessoa de forma nada discreta para que a câmera me seguisse. O segurança fazia questão de que eu ouvisse que ele estava falando de mim. Falava das minhas características pelo rádio”, lembra o rapaz, que é negro e estava com o cabelo descolorido.

Conforme Bernardo, depois de passar pelo caixa, ele foi até o SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor) do hipermercado e pediu para falar com o gerente sobre o ocorrido. Segundo o confeiteiro, o gerente da loja negou que o segurança havia cometido racismo.

Na saída do supermercado, Bernardo disse que foi chamado de “ladrãozinho” pelo mesmo segurança.

“Eu o questionei, perguntei se ele tinha algum problema comigo e ele disse: ‘Você acha que eu sou cego? ’. Então eu voltei no gerente, informei isso a ele. O gerente me disse que o segurança já tinha marcado a minha cara, insinuando que eu já tinha roubado no mercado”, diz Bernardo, que saiu do estabelecimento aos prantos.

Ele lembra que tinha uma tradição de passar todo aniversário de cabelo descolorido. Naquele dia, porém, pintou o cabelo de preto ao chegar em casa depois de voltar do mercado: “A primeira coisa que fiz foi pintar o cabelo de preto para não ser mais confundido com ladrão”.

Bernardo sonha em ter uma confeitaria e tirar a família da comunidade onde vive. Ele conta que sempre se sentiu constrangido com olhares preconceituosos em estabelecimentos comerciais. “Apesar de perceber olhares diferentes, nunca tinha sido humilhado daquela forma”, lembra o rapaz.

O confeiteiro postou o acontecimento nas suas redes sociais um dia após o episódio. Até esta terça-feira, a publicação já tinha alcançado 1.400 compartilhamentos. Bernardo é o filho caçula de uma família de três irmãos. A mãe é auxiliar de serviços gerais e o pai corretor de imóveis. Ele conta que aprendeu a fazer bolos com a mãe aos 12 anos de idade. Atualmente, faz doces por encomendas.

Depois que o caso se tornou público, segundo o rapaz, um representante do Extra ligou para ele pedindo desculpas.

“Racismo é crime. Não quero que outras pessoas passem pelo mesmo do que eu. É preciso que o Extra faça um treinamento para os seus seguranças. Recebi relatos de pessoas dizendo que casos assim já aconteceram lá antes de mim, mas não fizeram nada para mudar”, comenta Bernardo.

Segundo a advogada Danielle Coutinho, que representa Bernardo, o registro de ocorrência foi feito como injúria racial. O crime prevê pena de um a três anos de prisão, além de multa. A advogada disse que os responsáveis serão cobrados nas áreas criminal e cível, inclusive, com pedido de danos morais. Bernardo prestará depoimento à Polícia Civil nesta quarta-feira (26).

“O Extra ligou e pediu desculpas como se fosse aquele tapinha nas costas. O que sabemos, porém, é que casos assim são recorrentes naquele estabelecimento. A pessoa não pode ter seu direito violado”, afirma a advogada.

Segundo o rapaz, representantes do movimento negro de São Gonçalo organizam para o próximo dia 12 de setembro um ato de conscientização em frente ao Extra Hipermercado, do bairro Alcântara, onde aconteceu o caso.

Em nota, o Grupo Pão de Açúcar, que administra a rede Extra, informou que ao tomar conhecimento do caso iniciou um processo interno de apuração. “Até que este processo seja concluído, a rede optou pelo afastamento temporário do funcionário citado pelo cliente”, informou a nota.

Ainda de acordo com a nota, a empresa teve contato com o cliente no último dia 20 para se desculpar. O hipermercado também informou que não orienta os funcionários para tomarem atitudes discriminatórias ou desrespeitosas, condenando os mesmos no código de ética e na política de diversidade e direitos humanos da rede.

A empresa disse ainda que disponibiliza um canal para recebimento e apuração de denúncias que infrinjam o código de ética da companhia e que participa da Coalização Empresarial pela Equidade Racial e de Gênero, além de estimular a implementação de políticas e práticas empresariais no campo da diversidade.

O grupo completa que qualquer denúncia é “rigorosamente apurada e, se comprovada a veracidade, são tomadas todas as providências necessárias”.

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