O Brasil perdoa o racista e condena o negro

Eu não conhecia Cláudio Botelho. Contudo, no dia 20 de março descobri quem é essa pessoa. Botelho é um um dos principais diretores de teatro atualmente no Brasil e pelo que pesquisei ele lucrou e ainda lucra muito com a Lei Rouanet (isso é importante para marcar que ele vive de dinheiro público).

Por Stephanie Ribeiro, do HuffPost Brasil

Recentemente, Botelho virou notícia. Ele, que já vinha demonstrando desconforto com comentários em defesa do governo em suas redes sociais, criticou a presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Lula em uma peça de teatro. Porém, tais críticas foram feitas no musical Roda Viva, com canções de Chico Buarque.

Chico que, por sua vez, nunca escondeu seu apreço e apoio pelo Partido dos Trabalhadores.

Como resposta às críticas, Botelho foi vaiado pela plateia. Não contente com tais reações provocadas por suas ações, ele foi para o camarim ao gritos e, em um áudio que ‘vazou’ nas redes sociais, ele diz:

“Essa gente é escrota, são neonazistas, são petistas, são o que há de pior no Brasil! O ator que está em cena é um rei! Não pode ser peitado por um negro, por um filho da puta que está na plateia!”

É impressionante como, para alguns, ter que lidar com opiniões divergentes, ainda mais aqueles que acreditam que “são superiores”, é aterrorizante. Os dizeres dele são de extrema agressividade e ódio. Fica evidente o teor racista. Porém, ele nega. Em entrevistas posteriores disse que usou o termo “nego” e não negro. E que não seria racista pois já fez peça sobre negros e trabalhou com negros.

Desculpa. Isso não basta.

O “amigo” negro não serve mais de desculpa.

Amar a cultura negra não serve mais de desculpa.

Ter um parente negro não serve mais de desculpa.

Mudar o termo não serve mais de desculpa.

Nada mais serve de desculpa para atos racistas. Admitam! Assumir é o primeiro passo. O racista tem que parar de ser “sempre o outro”. Somos, sim, um país racista, que mata, marginaliza e foi feito na base da escravidão da população negra.

Sendo assim, eu não posso mais aceitar esse tipo de comportamento de quem se julga da elite intelectual, e é da elite econômica. Ainda de alguém que vive de dinheiro público. Nós, negros, somos maioria no Brasil. Pagamos impostos e vivemos sobre extrema violência, e mesmo assim se impera o silêncio sobre essa exclusão sistêmica.

Botelho se diz censurado. Eu digo, então, que ele deveria refletir. A única censura que ainda acontece no Brasil é o silenciamento de minorias. Quando Chico disse que não quer mais suas músicas no musical dirigido por ele, está gozando do seu direito de não querer compactuar com uma pessoa que tem pensamentos políticos que são além de divergentes dos seus, que beiram o extremismo agressivo que vem tomando as ruas atualmente no País.

Algumas pessoas saíram em defesa de Botelho, afinal “uma intimidade foi vazada”. Me desculpe, mas o racismo que acontece no privado nunca ficará no privado. A questão é que falam sobre ética para quem vazou o vídeo, mas não para o homem que, tendo todos os privilégios para poder estudar questões étnico raciais num país de maioria negra, se coloca do lado dos que preferem oprimir. E profere falas extremamente elitistas e racistas. Chegamos no extremo de pessoas que tem empátia pelo provável linchamento virtual, sem cogitar que estamos vivendo num país que em pleno século XXI ainda amarra negros em postes e chama isso de “justiça”.

Cláudio Botelho já lançou seu pedido de desculpas que, por sinal, foi aceito facilmente, por pessoas que não são nem negras. As falas dele ficarão por isso mesmo. Para o brasileiro o racismo é visto como um problema pessoal, de caráter, e não como o que ele realmente é: estruturador e enraizado na sociedade inteira.

Logo após as vaias do público e sua saída da peça Roda Viva, um homem negro deu uma entrevista onde evidenciou o profundo desrespeito de Botelho com o público, quando achou que seu posicionamento político era o que foi ali para ser escutado. Porém, esse também sofreu um segundo desrespeito, quando o tal áudio veio a público e ficou evidente que Botelho se incomoda com os lugares sociais ocupados atualmente com mais frequencia por negros, que estão intrinsecamente relacionados as políticas sociais do governo PT.

São os desrespeitados que precisam ser ouvidos e são as reais vítimas dessa história, e não o diretor Cláudio Botelho e de todos que compactuam das mesmas opiniões que ele.

O sistema penitenciário brasileiro é composto majoritariamente por jovens, negros, pobres e de baixa escolaridade, aponta o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen). Dois em cada três presos no Brasil são negros (67% do total). Esse é o Brasil dos Botelhos e Bragas, todos vivendo sobre o mesmo céu, mas não tendo os mesmos direitos constitucionais. Aqui até a empatia é seletiva. Afinal liberdade para alguns, prisão para os outros, silêncio de muitos.

Para quem não conhece, Rafael Braga é um jovem negro de 27 anos, catador de latas, o único preso das manifestações de junho de 2013 por portar Pinho Sol na mochila. Chegou inclusive a ficar na solitária e, quando solto esse ano, foi novamente preso numa batida policial sem sentido.

Rafael está pagando pelo crime de nascer negro.

Não basta a família desestruturada, os anos de estudos tirados, a pobreza latente, é preciso marginalizar, incriminar e encarcerar as pessoas negras no Brasil.

A nossa culpa por ter sobrevivido a todas as políticas racistas implementadas é maior que a culpa de manter um sistema segregador racista.

Aqueles que portam singelos produtos de limpeza na mochila, e são de pele negra, a cor que não é da camiseta vermelha que podemos ou não escolher usar, continuam pagando pelo erro de existir.

Sejamos realistas e sinceros com nós mesmos, perdoamos racistas com a mesma facilidade que condenamos negros. É só por isso que Rafael Braga está preso, e Cláudio Botelho gozando da liberdade de sentir uma vítima.

Parece piada, mas não é. Inclusive é culpa nossa que reduzimos racismo a cárater e não ao que ele é: uma estrutura forte, cruel e vigente atingindo todos os negros do páis.

Pau que bate em Chico, não bate Franscisco.

E deveriamos estar agindo para ele não batesse em mais ninguém.

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