Após algumas semanas ausente da minha coluna, retomo hoje este espaço de diálogo com meus leitores para falar um pouco do que foi a reta final do processo eleitoral de 2022. Esse retorno, após um dia 14, é uma coincidência que dá ainda mais sentido a todas as coisas que aconteceram desde então. Após o primeiro turno das eleições, na qual tivemos como resultado um aumento da representação de mulheres negras nas Assembleias Legislativas do país, iniciamos também uma corrida contra o tempo para retomar nossa democracia e derrotarmos a máquina de ódio e incompetência que operava em nosso país nos últimos quatro anos.
Com o anúncio do segundo turno, vivemos dias incansáveis de campanha nas ruas e nas redes, para elegermos Lula presidente. Apesar do uso da máquina pública, de uma potente rede de desinformação, das compras de votos e todo tipo de estratégia que já começou a se revelar após o período eleitoral, no último dia 30 de outubro, Bolsonaro teve a sua derrota decretada, e o Brasil, enfim, conseguiu respirar aliviado.
Escrevo neste dia 14, relembro a dor que é estarmos próximas de completar cinco anos do assassinato de Marielle, e sem informações sobre quem mandou matar minha irmã e por quê. Ainda assim, esse dia 14 é uma oportunidade de reafirmação de continuidade de suas pautas, a partir do meu trabalho, e de tantas pessoas que constroem comigo espaços como o Instituto Marielle Franco e mantém viva a luta por aquilo que ela acreditava: uma sociedade verdadeiramente justa para todas as pessoas.
Aproveito essa oportunidade para compartilhar algumas novidades. Na última semana, recebi o convite para compor o Grupo Técnico sobre Políticas Públicas para Mulheres da equipe de transição de governo do presidente eleito Lula.
Tão logo meu nome foi anunciado pelo vice-presidente e coordenador da transição de governo, Geraldo Alckmin (PSB), imediatamente meu telefone começou a tocar com inúmeras felicitações por parte de amigos, companheiras do movimento feminista e sobretudo, do movimento de mulheres negras brasileiro.
Importante dizer que neste mesmo dia, outros nomes do movimento feminista, do movimento negro, de organizações da sociedade civil e academia também foram anunciados, e aqui quero destacar as companheiras que estão comigo, até o momento, no Grupo Técnico de Políticas Públicas para Mulheres: Roberta Eugênio, advogada, diretora do Instituto Alziras e ex-assessora da mandata Marielle Franco; Roseli Faria, economista, servidora pública e especialista em orçamento público; Aparecida Gonçalves, ex-secretária Nacional de Enfrentamento à Violência Contra Mulher; Eleonora Menicucci, ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres; e Maria Helena Guarez, professora e ex-diretora de Itaipu.
Destaco ainda os nomes de especialistas e ativistas negros que foram anunciados no mesmo momento que eu, mas, para compor os Grupos Técnicos de Direitos Humanos, Igualdade Racial, a exemplo de Janaina Barbosa de Oliveira, Secretária Nacional LGBT do PT; Sílvio de Almeida, jurista; Nilma Lino Gomes, ex-ministra das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos; Givânia Maria da Silva, quilombola, ativista pela educação e doutora em Sociologia; Douglas Belchior, professor e ativista da Coalizão Negra por Direitos; Thiago Tobias, advogado; Ieda Leal, coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado (MNU), educadora e sindicalista; Matvs Chagas, Secretário Nacional de Combate ao Racismo do PT; e Preta Ferreira, escritora, cantora e ativista.
A indicação desses nomes representa um importante reconhecimento de movimentos, organizações e indivíduos que lideraram o processo de enfrentamento às inúmeras tentativas de desmonte de políticas públicas do governo Bolsonaro. São pessoas que em seu tempo e local, reinventam a forma de pensar e fazer política no Brasil. Mas, ainda precisamos avançar, uma vez que a primeira listagem de nomes para a equipe de transição carece de representação de ativistas negros da região Nordeste, onde Lula foi eleito com a maior porcentagem de votos. Foi uma das mais afetadas pelo desmonte de políticas de Bolsonaro, bem como a região que esteve na vanguarda de enfrentamento a esse governo.
Por ser educadora, não poderia deixar de aproveitar o espaço de troca da minha coluna com meus leitores, para explicar um pouco melhor o que é o Gabinete de Transição, qual o papel dessa equipe e o que eu particularmente farei nas próximas semanas. Esse espaço, que em outros governos e momentos da história política do nosso país passou despercebido, hoje ganha destaque na grande mídia e acaba por causar algumas confusões.
O Gabinete de Transição do presidente eleito foi instaurado a partir da Lei Nº 10.609/2002, e tem como objetivo preparar a administração pública para que desde o primeiro dia do novo governo eleito, a mesma possa trabalhar em consonância com o programa de gestão do novo presidente e sua equipe. Ou seja, é uma preparação para garantirmos que o trabalho do próximo governo possa acontecer da melhor forma possível, entendendo tudo que foi feito no governo anterior.
Em nosso caso, nos próximos dias, estarei junto com companheiras do GT de Políticas Públicas Para as Mulheres, analisando o que foi feito nos últimos quatro anos a partir de acesso a documentos e contas públicas, e como podemos pensar os próximos passos para que essa pasta volte a funcionar adequadamente.
O desafio do futuro governo será grande, afinal, vivemos tempos difíceis nos últimos quatro anos, tendo Damares Alves à frente do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.
Nesse tempo, vimos absurdos como a entrada e ganho de protagonismo do Brasil no Consenso de Genebra, uma aliança internacional da extrema-direita contra o aborto, em 2020.
E em 2022, por exemplo, com o Ministério destinando o menor orçamento desde o inicio da gestão de Bolsonaro, para ações e medidas de enfrentamento à violência contra as mulheres e outras violências de gênero. Além é claro, de diversos episódios de desrespeito a pautas caras para os movimentos feminista, LGBQIA+, indígena e negro, com consequências cruéis para a proteção a defensores de direitos humanos e ativistas dessas pautas.
Passamos os últimos quatro anos enfrentando um governo de desmontes e ataques às mulheres, negros, indígenas e quilombolas. Foram anos de retrocesso, que os movimentos negro e feminista, se ocuparam de resistir e fazer frente contra as tentativas de desmonte de políticas públicas que foram cosntruídas e consolidadas nos governos do Partido dos Trabalhadores.
Hoje, o PT volta ao poder, após o golpe contra Dilma, com a promessa de transformar o Brasil e construir um futuro melhor para todas e todos. E é a esse desafio, que irei me dedicar nos próximos dias e pretendo trazer notícias a vocês. O Brasil com o qual sonhamos, já está sendo construído, e que honra é poder ajudar nessa construção.