O combate ao racismo no trabalho, por Sueli Carneiro

(Foto: Marcus Steinmayer)

Uma iniciativa pioneira da sociedade civil vem resultando em proposições exemplares de políticas públicas para o combate ao racismo no trabalho. A Federação Nacional de Advogados (FENAdv) e o Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) apresentaram, em dezembro de 2003, ao Ministério Público Federal do Trabalho 28 representações (denúncias) endereçadas a todos os seus vinte e oito pontos regionais sobre a desigualdade racial no mercado de trabalho, requerendo a instauração de inquéritos civis públicos para a investigação dos setores industrial, bancário e comerciário sobre o tema, visando apurar a desigualdade racial no mercado de trabalho, em todo o Brasil.

Por Sueli Carneiro no Jornal Correio Braziliense – Coluna Opinião

Comprovada a desigualdade, ações civis públicas são pedidas.  A reação do Ministério Público Federal a tal proposição foi a constituição do Programa de Promoção de Igualdade de Oportunidade para Todos, sob a liderança do vice-procurador do Ministério Público do Trabalho, dr. Otávio Brito Lopes, que coordena a Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidade e Eliminação da Desigualdade no Trabalho (Coordigualdade), órgão vinculado à Procuradoria Geral do Trabalho (PGT).

O acesso ao emprego e ao trabalho é a condição primordial para a reprodução da vida, e a exclusão deles é também a primeira forma de negação desse direito básico da cidadania. As evidências de barreiras de natureza racial e de gênero no acesso igualitário ao trabalho apresentadas pelos proponentes resultaram na consecução do referido programa. Ele parte de uma posição ativo-expectante, de confiança na possibilidade de sensibilização e negociação de um novo pacto nas relações de trabalho com as empresas em que as atitudes discricionárias percam o caráter naturalizado que adquiriram em nossa história laboral para ensejar novos paradigmas de modernização dessas relações.
Assim, percebe como urgente a adoção pelas empresas de mecanismos inclusivos, para reverter as desvantagens historicamente acumuladas por segmentos sociais expostos sistematicamente a processos de discriminação no acesso ao mercado de trabalho. O programa propõe, ainda, o ajuizamento de ações civis públicas contra instituições que não oportunizem igualdade de empregos em termos raciais. No seu lançamento, em 11 de abril passado, foi anunciado que cinco instituições financeiras privadas, ao apresentarem seus números ao MPT, descobriram quão desigual é o seu quadro de funcionários. Não há negros e negras em quantidade compatível com a população local de Brasília-DF. A iniciativa contou com o decisivo apoio de técnicos do IPEA , IBGE, OIT etc. A propósito, não localizaram também mulheres em cargo de chefia, pessoas com mais de 40 anos e deficientes físicos.

Como há muito propugna o Movimento Negro Brasileiro, o Brasil descobre outro Brasil ao se deparar e tentar solucionar o problema do racismo. Graças a esse programa, procuradores do Trabalho de todo o país estão a requisitar os números de todos os bancos privados, no sentido de conhecer a sua composição funcional racial. É uma revolução silenciosa no país. Os bancos mais ágeis, e sábios, poderão propor Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) ao MPT, e manter a gestão da mudança inclusiva em seu negócio. Aos resistentes, o rigor do ajuizamento de ações civis por desigualdade racial no mercado de trabalho abrirá um novo capítulo nesta batalha, desaguando no Judiciário. Outros segmentos, além dos bancos, estão na fila. Sindicatos, entidades do terceiro setor ligadas ao combate à discriminação racial, estão se preparando para ingressar nesta arena, ao lado do MPT. É um avanço.

A presença ativa do MP nesse tema é o reconhecimento da insustentabilidade das teses de igualdade de oportunidades, objeto de denúncia incessante dos movimentos negros contemporâneos acerca dos mecanismos de preferências e exclusões raciais presentes na alocação dos indivíduos no mercado de trabalho, fato hoje fartamente fundamentado nos dados estatísticos, em estudos e pesquisas no Brasil.

São esses os passos essenciais para que possamos romper com um tipo de sensibilidade social indiferente ou resignada com essa exclusão histórica. Nesse sentido, o MP torna-se parceiro da construção de uma nova realidade social na qual troca-se um mito pela efetivação de uma verdadeira democracia racial. Em consonância com sua missão institucional, o MP assume a sua responsabilidade de guardião e promotor da plena cidadania para todos como parte de suas atribuições de “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. É uma demonstração, cada vez mais rara, da parte de uma instituição pública de concretização de seu papel na consolidação dos ideais republicanos e democrática que tanto ansiamos.

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