O direito das mulheres à literatura

Barreiras expõem dificuldades de exercerem liberdade e pensamento crítico

FONTEFolha de São Paulo, por Cristianne Lameirinha*
Juh Almeida/Huffpost Brasil

A literatura, para Antonio Candido, é direito inalienável do sujeito, indispensável à humanização. Espaço de desacato, para a escritora argentina María Teresa Andruetto, ela nos questiona, perturbando certezas. A literatura abre as fronteiras da liberdade de pensamento e da construção do sujeito crítico e sensível, o que a torna alvo de Estados autoritários, atentos à rebeldia que costuma fomentar.

Como, então, garantir às brasileiras o acesso à leitura e à fruição literárias? Como, por outro lado, garantir a elas o direito de escrever e de serem lidas? É preciso abordar a iniquidade histórica do acesso das mulheres à educação e aos direitos políticos, e à possibilidade de se expressar e de fazer da literatura um espaço de desacato às narrativas consagradas que, de forma significativa, segregam as mulheres do papel de protagonistas, enquanto seus autores procuram manter presença hegemônica em catálogos de editoras de prestígio, no debate da crítica literária, nos currículos escolares e universitários, consolidando-se pela conquista dos principais prêmios da categoria.

Já em 1838, Nísia Floresta desacatou a sociedade ao abrir uma escola para meninas —brancas—, ensinando línguas, matemática, ciências naturais e sociais. O direito ao voto feminino, apesar de restrito às maiores de 21 anos alfabetizadas, foi incluído na Constituição de 1934, após décadas de insolência e teimosia, somadas às perseguições a quem lutava por direitos políticos iguais aos dos homens.

Ainda hoje, são muitas as barreiras enfrentadas pelas meninas para terem acesso à educação e desfrutarem da literatura como direito: condições socioeconômicas, trabalho doméstico, pobreza menstrual, gravidez precoce —associadas à carência de políticas públicas antirracistas e antissexistas de ensino.


Cristianne Lameirinha*

Autora do romance “A Tessitura da Perda” (ed. Quelônio), pelo qual foi finalista do Prêmio Jabuti e do Prêmio São Paulo de Literatura, ambos na categoria Estreante (2023); mestre e doutora em letras (literatura francesa, FFLCH-USP)

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