Uma grave pandemia assola o mundo todo, colocando diversos governantes a pensar medidas que serão necessárias para diminuir o contágio. Mas infelizmente, essas medidas não alcançam mudanças estruturais na realidade. É o caso das prisões brasileiras. Em entrevista a Folha de São Paulo, o Ministro da Segurança e Justiça, Sérgio Moro disse que tem tomado medidas para possibilitar a segurança sanitária dos encarcerados. Em resumo, essas medidas incluem, vacinação para H1N1, distanciamento entre os internos e limpeza das penitenciárias. Mas vejamos, será que dentro de um estado punitivo de superlotação das prisões é possível distanciar os encarcerados? E outro ponto, será que apenas limpeza de um local insalubre, do qual, vivem no mesmo local, ratos, baratas e pessoas, resolveria?
Por Ícaro Jorge, enviado para o Portal Geledés
A disputa entre saúde e o crescimento econômico se torna centro das discussões sobre o direito de um ambiente saudável e seguro para todos, principalmente, no que tange ao alcance desses direitos para sujeitos historicamente silenciados e esquecidos pela política e pela sociedade. Nesse início de ano, uma pandemia, como aponta a OMS, assolou o mundo, as pessoas estão dentro de um processo histórico, do qual os governantes decidem entre a defesa da vida ou a defesa de um crescimento econômico. A COVID-19 (um dos tipos de corona vírus) é apresentada pelos gestores da saúde como uma doença infectocontagiosa, com alto grau de contagio e que possibilita risco às pessoas debilitadas, como idosos, pessoas com HIV, pneumonia, tuberculose, entre outras doenças que debilitam o sujeito em relação à imunidade e a respiração. É a partir dessa questão, diante dos dados oficiais de alto índice dessas doenças dentro das penitenciárias, que há a preocupação na posição divulgada pelo Ministro Sérgio Moro. A Portaria Interministerial apresentada em 18 de março de 2020, traz medidas que dentro do atual contexto prisional são inalcançáveis. Acreditar que há possibilidade de distanciamento dentro das penitenciárias, assim como a possibilidade de limpeza geral é, no mínimo, falta de conhecimento da realidade das prisões no país, vale lembrar que, segundo dados do INFOPEN 2019, estima-se mais de 800 mil pessoas presas, dentro de um sistema prisional que comportaria no máximo 450 mil pessoas.
Como apresentado no prefacio pela Professora Sueli Dallari no Livro sobre Direito à saúde do professor Júlio Rocha, a compreensão do significado do Direito Sanitário na atualidade é de grande complexidade. A competência na garantia dos direitos constitucionais à saúde é repartida entre a União, Estados e Municípios, então essa garantia de bem-estar e universalidade da saúde é dever do poder público, de forma ampla. Lógico que do ponto de vista prisional, a competência é referente a instituição que dirige a determinada penitenciária, no caso, a União é competente pelos presídios federais e os Estados possuem autonomia para atuar nas penitenciárias estaduais. A própria percepção do amplo acesso ao direito à saúde coloca em voga as narrativas neoliberais, defendida na narrativa do Ministro, que aponta o crescimento econômico como centro das discussões em relação ao direito à vida e à saúde. Na entrevista, o Ministro Sérgio Moro, ao ser perguntado se a sua maior preocupação eram os presídios, respondeu que é uma responsabilidade importante, mas que teria responsabilidade também com a área do consumidor. Algo que assusta, porque na abordagem sobre a questão da prisão e punição, aponta-se como central direitos que estruturam o sistema jurídico brasileiro que é o direito à vida e a liberdade, esses, que nesse momento o ministro e o governo deveria ter como preocupação central.
O direito à saúde nas prisões é apontado historicamente, desde a criação das Casas de presos no Brasil. Segundo Claúdia Morais Trindade, em 23/05/1921, D. Pedro I assinou uma lei que abordava a questão dos direitos individuais contra arbitrariedades de juízes criminais, assim como pontuou a proibição de manutenção dos presos em masmorras “escuras e infectas”, e logo depois na constituição de 1824, determina-se cadeias arejadas e limpas. Naquele momento, do qual a percepção sobre punição ainda estavam a fazer uma transição da ideia de vingança para a de reabilitação, ainda havia dificuldade no entendimento do direito a um ambiente limpo e arejado para que esses indivíduos ficassem alojados no seu período de pena, mas atualmente, as discussões estão a avançar e a realidade, ainda é de descaso com direito à saúde das pessoas encarceradas. O CNJ, de forma a suprir essas demandas em relação a garantia de direitos das pessoas presas, recomendou aos juízes criminais que soltasse os presos, que atendessem todos os requisitos penais para progressão e da segurança, e não tivessem sido condenados por violência ou grave ameaça. O Ministro Sérgio Moro, apresentou uma crítica a essa medida, alegando, que haveria possibilidade de soltarmos traficantes. Mas vejamos, se essa pessoa encarcerada apenas estaria recebendo uma possibilidade de cumprir a sua pena num ambiente salubre, como sua casa, cumprindo os requisitos de segurança, não haveria problemas maiores para a saúde pública, portanto, isso não seria uma benevolência a “sujeitos criminosos”, mas sim, uma proteção a toda sociedade, diante de um estágio possível de contagio e morte de pessoas.
A abordagem sobre a questão de saúde nas prisões, na mesma entrevista, foi minimizada pelo Ministro Sérgio Moro, a partir da ideia discursiva de que a soltura desses sujeitos encarcerados poderia colocar em risco a população que está em sociedade, deixando a entender, a partir do discurso, que esses sujeitos em cárcere são inimigos da sociedade. Portanto, segundo ele, as medidas de isolamento, proibição de visitas, estão sendo tomadas. Mas será que essas medidas servem, realmente para a proteção da população? Em alguns Estado do país, já houve fugas, tentativas de fugas e princípios de rebelião nas penitenciárias, ao se pensar pela lógica de proteção das pessoas que não estão encarceradas, existem dentro das prisões, trabalhadores como agentes penitenciários, que podem sofrer pelas medidas irresponsáveis adotadas pelos governantes. No atual momento, é preciso que esses governantes abaixem a “capa” de justiceiros e pensem na saúde das pessoas, de forma ampla, inclusive, daquelas pessoas que possuem família, filhos, mãe, tia, amigo, e que estão encarceradas num local insalubre, sem médicos suficientes, sem tratamentos suficientes, com falta de remédio e alimentação precária. Os juízes, precisam estar alinhados a recomendação do CNJ, adotando medidas que visem esvaziar os presídios, de forma a proteger a segurança pública, assim como o direito amplo à saúde. E para além disso, os órgãos de justiça busquem pensar como ampliar essas medidas, para além do paliativo, e sim, medidas que interfiram no problema da superlotação e da crise sanitária prisional.
*Ícaro Jorge é Bacharel Interdisciplinar em Humanidades e estudante de Direito, ativista pelos direitos humanos e militante antirracista
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