O enfrentamento do Racismo pelo STJD, por Rodnei Jericó

O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESPORTIVA – STJD, em decisão inédita puniu nesta quarta-feira (03/09) o Grêmio de Porto Alegre, com a exclusão da Copa do Brasil, em jogo marcada pelos atos RACISTAS perpetrados por membros de uma torcida organizada.

Rodnei Jericó –  Advogado e articulista esportivo do Portal Geledés

O relator Dr. Francisco Pessanha Filho com fundamento no artigo 243-G, parágrafos 1º e 2º do CBJD – Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que dispõe em seu “caput” – “Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”, em seu parágrafo 1º dispõe na segunda parte – “; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição a entidade de prática desportiva será excluída da competição, torneio ou equivalente.”. O relator aplicou ainda multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), conforme previsão do mesmo CBJD artigo 243-G “caput”.

Ainda aplicou a pena prevista no parágrafo 2º do artigo 243-G, que dispõe – “ A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva cuja torcida praticar atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva, pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias”. Assim o relator determinou a pena máxima prevista pelo CBJD também aos torcedores já identificados, e que já respondem aos crimes previstos pela legislação brasileira, Lei 7716/89 com possibilidade de desclassificação para o art. 140, parágrafo 3º do Código Penal Brasileiro.

O voto do relator foi acompanhado pelos outros (4) auditores da 3ª Câmara do STJD. Em sua conta no Twitter o Presidente da FIFA Joseph Blatter, elogiou a conduta dos auditores do STJD afirmando que “O Brasil enviou a mensagem certa banindo um time da Copa do Brasil por atos de racismo perpetrados por seus torcedores…”, muitas outras manifestações na imprensa mundial esportiva se coadunaram com a decisão do STJD, todas com o mesmo entendimento de que os clubes não podem se eximir de suas responsabilidades e tem a obrigação moral e legal de identificar torcedores que vêm as praças esportivas destilar seu ódio, em especial o ódio racial.

Como operador do direito, ao longo destes últimos 15 anos tenho particularmente visto e trabalhado em casos cotidianos de manifestações de racismo e preconceito baseado na cor de pele das pessoas, e assim presenciado algumas situações que me permitem afirmar categoricamente de que a decisão do STJD pode ser um paradigma importante para que passemos a um nível de convivência dentro do esporte e na vida fora dele com respeito às diferenças, sejam elas quais forem, sobretudo baseado na cor da pele de um ser humano.

Ao longo desta trajetória na defesa dos direitos da população afro-brasileira, me recordo de outro caso, do ex-jogador do São Paulo Futebol Clube que foi alvo de ofensas perpetradas pelo jogador argentino “De Sabatto”, sendo decretada prisão em flagrante deste ultimo logo após a partida por chamar “Grafitte” de “negro” com o animus ofendi evidente, ou seja, com real intenção de ofender ao ex-jogador são paulino.

Tudo indica que, se tomarmos como exemplo a decisão do STJD poderemos ter dado um importante passo na luta de combate ao racismo, dentro e fora das praças esportivas. É importante ainda destacar a celeridade com a qual a justiça desportiva vem trabalhando no Brasil, sendo exemplo para a justiça comum ordinária, guardando obviamente as devidas proporções entre uma e outra, onde este mesmo caso na justiça ordinária comum terá muitos desdobramentos.

A garota identificada pelas imagens na Arena Grêmio ao qual é possível de forma muito evidente fazer a leitura labial da ofensa que profere, já veio através de pessoas próximas argumentar que não é uma pessoa racista porque já teve namorado negro, assim como em uma audiência a qual atuei como advogado de uma vítima de racismo, a parte contraria sustentou que seu cliente não poderia ser considerado racista por ser devoto de Nossa Senhora Aparecida e a imagem da santa ser negra, para que vejamos o quão paradoxal é a questão racial no Brasil, que ocorre de forma velada e demonstra-se muito pior do que o apartheid sul africano ou norte americano.

O racista não nasce racista, não vem em seu DNA, ele aprende a ser racista em seu meio familiar ou em seu meio social, e quando externado este ódio, mesmo que momentâneo traz sempre uma carga muito forte a pessoa do ofendido ou a uma coletividade, razão pelo qual tenho que bater palmas a decisão do STJD neste caso emblemático e que espero seja parâmetro inclusive para nossos magistrados em casos que não tenham tanta repercussão midiática, e que devem ser tratados com a mesma imparcialidade, porque foi o que o STJD fez ontem, aplicou o disposto na legislação do desporto com a celeridade que o caso merecia.

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