O Estado Vs. Rafael Braga: A permeabilidade da dominação e a síndrome boderline do Poder Judiciário

Num simplismo comparativo do quadro jurídico de Rafael Braga com os irmãos Bruno e Breno Borges, o óbvio salta aos olhos: se Rafael com seus 0,6g de maconha, 9,3g de cocaína e um rojão apresenta evidência suficiente para uma convicção criminal com prisão de 11 anos, logo, 130 kg de maconha e munições de fuzil dos irmãos Bruno e Breno, a convicção de ambos, ainda como agravante de histórico criminal, nunca poderia ser menos daquela que Rafael foi condenado.

Por Delso de Cássio Batista Júnior para o Portal Geledés 

Mas aqui, lógica funciona em outro sistema. Um sistema também de Poder, mas que não serve ao princípio do Judiciário que é defender os direitos de cada cidadão e promover a justiça na resolução de conflitos sociais com uso da investigação, audiência, julgamento e punição. E, é de trás para frente, que as coisas aparentemente funcionam, se, o sujeito alvo do escrutínio deste aparelho jurídico, aparentemente impermeável, estiver do lado menos afortunado. E aqui, diria, a-fortunado, aquela falta de fortuna que diferencia, separa e exclui.

Na inversão da balança desta justiça, a punição vem á cavalo. Mesmo que se ignore o princípio da inocência, aqui culpa-se, depois, logo (nunca) se resolve. Rafael foi punido, antes que pudesse ser julgado. A motivação, o suporte desta punição é sistemática, virtual, mas não invisível. O que fazem os olhos verem melhor, está cifrado, descolorido e no alto de pedestais. O coquetel molotov, argumentado pela polícia, mesmo que á base de desinfetante, não foi a causa em si, mas a metáfora: a guerrilha urbana vivenciada por Rafael, e o grupo étnico da qual faz parte, é por melhoria na qualidade de vida, pela não discriminação, pela não exclusão, por oportunidades mais igualitárias. Mas, esta guerra é paulatinamente oprimida.

Os irmãos Borges, armados de um arsenal real e mortal, transportando uma quantidade superior dos químicos da euforia, carregam também outra demanda, que costumeiramente, é a da fila da frente: a manutenção do privilégio, legitimação da dominação. Estes atores, nesta batalha social, são antagonistas num conflito no qual, definitivamente, a imparcialidade jurídica seria a mais apta a dar solução. Mas daí, é preciso lembrar que o antes de Judiciário vem o Poder. Não deve espantar a ninguém que poder e dominação andem de mãos dadas, e que abrem com facilidade os portões da cadeia.

Então, mas, e a promoção da justiça? Sim, há. Estatisticamente mais tarde do que nunca. Mas aqui, temos é o extremo. Estes são poucos, porém significativos. E, e por isso, pergunto-me: então, mas, e os recursos? Claramente, dominação não se faz sem aparatos de controle, nada mais atual do que o dinheiro como sinônimo de poder. Dai a impermeabilidade jurídica sofre uma mutação, uma vez que, com exceção de algumas poucas dignidades e éticas, o dinheiro perverte e reverte o aparato jurisdicional. Julgamento passa a ser triagem. Muitas vezes direto para as masmorras do sistema prisional, ou, para luxuosas clínicas psiquiátricas, estas por sua vez que perderam todo e qualquer status de comparabilidade com hospitais ou prisões. Hoje são opulentos campos de férias. E, há quem depois de ‘f*ck it up’ possa entrar em ‘vacaciones’.

A permeabilidade do sistema é aparentemente dependente da reputação. Do locus social que se ocupa. Quanto mais prestígio, mais portas de poder se abrem. Daí, até mesmo afirmar que o racismo no caso do Rafael Braga é causa e efeito do cenário, não é suficiente: a investigação deste aparato jurisdicional (pouco) imparcial toma em consideração a capacidade de negociação que o sujeito é capaz de fazer ao sistema. Óbvio que sujeitos, íntimos de projetos hegemônicos de supremacia, ganham disparadamente de sujeitos marginalizados e subalternos nas negociações. O bem valioso a ser negociado é claramente a liberdade.

 

No caso de O.J. Simpson, os EUA acompanharam o desenrolar de uma situação controversa onde um homem negro, prestigiado socialmente, detentor de uma fortuna em dinheiro, sair ileso de uma acusação de duplo homicídio. Mais recentemente, Steven Avery, de reputação duvidável e poder econômico inexpressiva, viu-se livre de uma acusação de um crime que não cometeu, mas com o preço de 18 anos da sua liberdade, mesmo assim por pouco tempo: foi preso e luta pela liberdade novamente por crime que afirma não ter cometido, mas que carrega um alto teor de vingança e corrupção policial, e consequentemente, irresponsabilidade do estado.

Com isso, a principal função do Poder Judiciário, mostra-se mesmo no domínio do Poder, pura e simplesmente. Poder que permite julgamentos recordes e sentenças brandas em clínicas psiquiátricas. Dois pesos e duas medidas, e como no diagnóstico de um dos irmãos Borges, a Justiça tem surtos de impulsividade, uma intensidade desmedida nas intencionalidades, o que afeta decisões e os destinos: é a mesma que aceita a defesa de que Borges não é responsável pelo que faz, mas, nega o Habeas Corpus de Braga.

  • Delso Batista – PhD Student At Minho University, Braga – Portugal.
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