Em 1974, durante a ditadura militar, na operação denominada Camanducaia[1], policiais militares espancaram e torturaram 93 crianças e adolescentes entre 11 e 17 anos pretos e pardos. Levados às margens da Rodovia Fernão Dias e jogados nus de uma ribanceira, após uma sessão de espancamento, apenas 41 desses jovens foram encontrados com vida.
Quase 20 anos depois o massacre da Candelária, em 1993 teve como resultado a morte de seis crianças e várias crianças e adolescentes feridas.
Episódios de extermínio de crianças e adolescente negros no Brasil demonstram que a política genocida do Estado brasileiro está em curso.
Em meio a este processo, na década de 1980/1990, o Movimento de Mulheres Negras denunciava as graves violações de direitos reprodutivos que impactavam os corpos de mulheres pretas, pobres, periféricas, vítimas de um processo de esterilização em massa, uma das formas da política de genocídio contra a população negra implementadas Estado.
Passados 30 anos as pesquisas e os dados por elas informados são absolutamente estarrecedores. A política de segurança pública para a população negra deste país é o extermínio.
A experiência precoce de crianças e adolescentes negros com a violência policial está demonstrada em pesquisa recente realizada pelo Núcleo de Violência da USP, que entre 2016 e 2019 entrevistou adolescente com idade entre 11 e 14 anos, matriculados em escolas pública e o resultado demonstrou “como a discriminação racial e a seletividade das abordagens policiais estão presentes desde cedo na vida das crianças e adolescentes negros.”[2]
Em 2022 foram 2489 crianças e adolescentes vítimas de assassinatos. Entre as crianças vitimadas de 0 a 11 anos, 67,1% eram negras e na faixa etária de 12 a 17 anos, 85,1%[3]. Entre 2017 e 2019, 2.215 crianças foram vítimas das chamadas intervenções policiais.
Em 7 (sete) anos, só na região metropolitana do Rio de janeiro, 602 crianças foram baleadas, 267 morreram e 334 ficaram feridas, as balas perdidas encontram o corpo de uma criança a cada 4 horas.
Neste ano de 2023, 80 mil alunos e 243 escolas na cidade do Rio de Janeiro foram afetadas pelas operações policiais desde o início do ano letivo de 2023[4].
Os impactos da violência armada são particularmente nefastos para as crianças e adolescentes que sobrevivem à esta guerra não declarada. As consequências, as sequelas físicas e mentais causadas por esta violência comprometem o pleno desenvolvimento dessas crianças: crises de ansiedade, medo de voltar para a escola, desenvolvimento de doenças cardíacas são exemplos do comprometimento de saúde dessas crianças, marcas que as acompanharão para o resto da vida.
Ao que parece o Estado brasileiro arrumou uma alternativa para a não implementação da diminuição da maioridade penal utilizando-se de seus agentes de segurança, o braço armado do Estado, vitimando crianças e adolescentes.
Há décadas o Movimento Negro luta contra o extermínio de crianças e adolescentes. É o nosso futuro sendo exterminado.
Não obstante o disposto no art. 227 da Constituição Federal de 1988, as crianças e adolescentes negros e negras não são sujeitos titulares de proteção integral, não tem assegurado o direito a condições dignas de existência. Para crianças e adolescentes negros e negras é negado o direito à “absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” da mesma forma para elas não se vislumbra a aplicação do Estatuto da Criança e Adolescente[1] que em seu art. 3º preconiza: “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”
[1] Documentário sobre operação militar em Camanducaia durante a ditadura é premiado em festival no Canadá | Sul de Minas | G1 (globo.com), acessado em 27/08/2023.
[2] A experiência precoce e racializada com a polícia (2016-2019) – NEV USP, acessado em 27/08/2023.
[3]https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf, acessado em 27/08/202.,
Brasil: em três anos, mais de 2 mil crianças foram mortas por policiais (observatorio3setor.org.br), acessado em 27/08/2023.
[4] Operações policiais no Rio de Janeiro afetaram 80 mil alunos em 2023 | Metrópoles (metropoles.com), acessado em 27/08/2023.
[5] Lei nª 8.069, de 13 de julho de 1990 –
Maria Sylvia de Oliveira
Advogada; Coord. Políticas de Promoção de Igualdade de Gênero e Raça de Geledes-Instituto da Mulher Negra; mestranda no PPG Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades – Diversitas (FFLCH/USP);