“O fervo é protesto” Conheça Rico Dalasam o rapper gay que está quebrando tabus

Rico Dalasam, paulista que surge como um dos primeiros rappers assumidamente gay do país, quebra os tabus de um gênero historicamente dominado por homens heterossexuais e propõe novas narrativas, com letras positivas e auto-afirmativas que passam longe de uma postura vitimista ou de revolta: “estamos no momento de avançar”

Por Ivan Longo no SpressoSP

“Boy, eu vim pra ser seu man”. Há alguns anos, dificilmente alguém imaginaria que essa frase pudesse ser um verso de rap. Mas é. Há 10 anos na estrada, o paulista de 25 anos de Taboão da Serra, Rico Dalasam, desponta agora como um dos primeiros rappers gays a ganhar espaço no cenário nacional. Prestes a lançar o seu primeiro álbum, “Modo Diverso”, Dalasam vem ganhando cada vez mais espaço em um universo historicamente dominado por homens heterossexuais e, muitas vezes, embasado pelo machismo.

“Acho que a gente chegou num momento bem certo para colocar novas ideias”, enfatiza o artista que, apesar de já estar no ambiente do ritmo há um bom tempo, participando das tradicionais batalhas de MC’s na estação Santa Cruz, acredita que só agora há um terreno mais sólido para fazer questão de se afirmar como gay, negro e rapper. “Se fosse naquela época, 2006, 2007, estaríamos queimando cartucho”, disse.

Nascido e criado na periferia, Dalasam tinha tudo para seguir o caminho de outros artistas de hip-hop e fazer músicas de protesto ou que tratam da realidade das quebradas. O jovem, no entanto, preferiu não adotar uma postura de vítima e faz das suas letras positivas e de auto-afirmação mais uma maneira de representar as minorias que faz parte. “Negro, pobre e gay. É a minoria da minoria, tá ligado?”. Para Dalasam, seu “fervo” também é protesto.

Com batidas fortes e pitadas de new beat, o primeiro EP do artista que está quebrando os tabus do hip-hop está sendo produzido de maneira totalmente independente e deve ser lançado até o final de janeiro. Na internet, Dalasam já disponibilizou 5 faixas (veja abaixo).

Confira a íntegra da entrevista:

SPressoSP – Você faz questão de se afirmar como rapper e gay. Qual a importância dessa identificação?

Rico Dalasam – Cara, acredito muito na representatividade que tem para cada uma dessa minorias que eu faço parte como pessoa. E entendo que eu possa fazer parte dessa ressignificação do rap, do hip-Hhp, e quebrar essa normatividade das coisas que existem em vários segmentos da sociedade. Essa normatividade acaba, naturalmente, levando para o machismo.

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SPressoSP – Como se envolveu com o mundo do hip-hop? 

Dalasam – Tenho uma irmã que é mais velha, e quando eu tinha uns 5 ou 6 anos ela já ouvia Racionais.O primeiro som que conheci foi O Homem na Estrada, com essa idade também. Aí comecei a frequentar shows, fazer versos, participar das rinhas, das batalhas. Só agora que fui para esse lance de gravar, colocar o CD e tudo mais.  Com 15 anos escrevi meu primeiro rap.

SPressoSP- Muitas pessoas estão o considerando o primeiro rapper assumidamente gay do país. Você concorda com essa definição? Se é, o que tem de novo a oferecer ao mundo do hip-hop? 

Dalasam – Eu mesmo escrevi na minha página do Facebook um textão falando sobre isso. Escreveram toda uma história que sou o primeiro rapper gay. Mas acho que não, tem gente fazendo coisas aí há pelo menos uns 12 anos. Mas, dentro do jogo, em questão de ocupar lugares, sem dúvidas sou o primeiro que desempenhou tempo, qualidade e grana para estar no jogo.

Acho que o rap é muito grande e a minha presença com os outros artistas, em dividir palco, tocando, cantando, cria ideias novas. Estamos colocando aí um novo tempo de ideias para a caneta de todo mundo, né? Acho que os caras [outros rappers] estão sabendo dessa resistência, o quanto as pessoas estão sendo representadas por isso. A hora que o rapper vai escrever ele pensa, e agora tem que trazer ideias pra frente, não aquelas ideias pra trás, chatas, machistas. Não só nas ideias mas também  no comportamento.

SPressoSP – No Brasil você é considerado o primeiro. Fora do país você tem alguma referência de algum rapper homossexual? 

Dalasam – Acompanho a cena nos Estados Unidos e em agosto estive lá. Gravamos um clipe num festival drag. Foi bem foda. Em relação às referências, tem uns três ou quatro que estão em evidencia que é o Mikky Blanco, o Cake da Killa… Converso com eles quase todos os dias e todo mundo tem uma faixa etária bem parecida e eles fazem parte de uma cena bem parecida, de frequentar festinhas e tal. Então, não tem muita referência. Sempre ouvi rap, o rap que todo mundo ouviu na vida, só que aí coloco meu modo, minha visão e aí construo minha narrativa.

SPressoSP – Já sofreu algum tipo de preconceito dentro do universo do rap? 

Dalasam – É um momento meio inicial das coisas, saca? Não cheguei a lançar o CD mas faço apresentações e sempre tô nos camarins, conheço a galera [outros rappers], e a gente troca ideia, conversa… Por que no fim das contas todo mundo olha no olho, aperta a mão e fala sério e o assunto é rap, tá ligado? Respeito é respeito. Os caras que estão trabalhando mais aí, eles têm noção das coisas. Ninguém é louco de vir com essas ideias assim [preconceito] por que sabe que a gente tá fazendo sério, né?

SPressoSP – Você considera seu posicionamento, dentro desse ambiente, uma quebra de tabu? Por que?

Dalasam – Considero, sim. Acho que a gente chegou em um momento bem certo para colocar novas ideias que talvez outra pessoas já estivessem se empenhando em colocar e estavam esperando o momento certo, assim como eu. Talvez eu seja o primeiro a colocar agora, nesse instante, assim… Acima de tudo tem o público, tem muita gente que precisa, sim, ser educada quanto a isso, ter ideias mais bem formadas sobre quem está ao seu redor. Por que no resumo das coisas é todo mundo preto, pobre é não sei o que, e isso quase nunca inclui o gay. Sou tipo a minoria da minoria, tá ligado?

SPressoSP – O rap surgiu como música de protesto e que retrata a realidade das periferias. Você, apesar de ser também da periferia, não costuma a tratar do tema em suas letras. Por que?

Dalasam – Acho que estamos protestando do jeito que se faz hoje em dia mesmo, principalmente no meio gay, que é com festa, com dança. O “fervo” é o protesto. Acho que o “fervo” é forma de protestar nesse instante e instaurar esse novo tempo de quebra de normatividades. O rap que consumi a vida inteira foi referenciado em muita coisa, mas acho que nesse instante as coisas podem ser colocadas com outro viés. A música, acima de tudo, é festa e entretenimento.

SPressoSP – Como você foi recebido no universo do hip-hop? Nas rinhas de MC, nas batalhas da Santa Cruz… Já expunha a que veio?

Dalasam – Não. Em 2006, 2007, eu ia, rimava ali e todo mundo rimava. Ia pra casa e só. Não colocava nenhuma ideia nesse sentido. Desde lá já venho tentando trabalhar nesse disco mas de lá para cá tudo mudou pra caramba. E hoje você já consegue versificar. Acho que naquele instante não caberia, estaríamos queimando o cartucho. Talvez precisássemos de ideias mais sólidas como elas estão agora para poder de fato mudar essa narrativa de uma forma coerente.

SPressoSP – Acredita que o seu trabalho possa fazer o público LGBT se aproximar do hip-hop?

Dalasam – Acho que o intuito é esse. Vai ser foda daqui uns dias, em um festival, ter uma atração de rap e você ver lá casais, os caras de mãos dadas… Já tem uma galera que frequenta, tá ligado? Essa galera vai porque gosta muito, só que fica ali, né. Debaixo daquela ditadura normativa e boa: acabou o show e vai para casa. Mas, pô, um show é um lugar de conhecer gente, de flertar, beijar na boca, fazer festa! E acho que isso pode acontecer nas festas de rap também entre os gays num futuro bem próximo.

Vou muito no show da Flora Matos e ela tem uma narrativa dessas, tem uma música dela para outra garota, papo bem de flerte mesmo. E você vê as garotas que vão e tal e é bem massa. Têm vários gays meninos que gostam de rap para caramba, vão nos shows mas ficam quietinhos ali. Estamos num instante de avançar e ver a cena ser para todo mundo.

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