O golpe e os golpeados

Minha coluna desta semana no El País fala sobre o esvaziamento das palavras, no Brasil atual. Da pietà negra da favela que pintou o rosto com o sangue do filho ao cuspe do Jean Wyllys no Bolsonaro.  Relaciono ainda ao novo filme da Tata Amaral, “Trago Comigo“.

Por Eliane Brum, do Desacontecimentos

Acho que estamos além da censura, porque a censura teme as palavras e as proíbe. Hoje, em plena democracia, estamos mergulhados num outro tipo de horror: as palavras já não dizem. Como poderiam nos contar os Guarani Kaiowá, e na semana passada foi assassinado mais um deles, a palavra dos brancos não age. E, por não agir, já não é. No Brasil atual, as palavras viraram fantasmas. E é desta perspectiva que vejo a disputa do “golpe”.

A barbárie de um país em que as palavras já não dizem

Sheila da Silva desceu o morro do Querosene para comprar três batatas, uma cenoura e pão. Ouviu tiros. Não parou. Apenas seguiu, porque tiros não lhe são estranhos. Sheila da Silva começava a escalar o morro quando os vizinhos a avisaram que uma bala perdida tinha encontrado a cabeça do seu filho e, assim, se tornado uma bala achada. Ela subiu a escadaria correndo, o peito arfando, o ar em falta. Na porta da casa, o corpo do filho coberto por um lençol. Ela ergueu o lençol. Viu o sangue. A mãe mergulhou os dedos e pintou o rosto com o sangue do filho.

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