O massacre na terra dos outros

Santo Agostinho dizia “Ama e tudo lhe será permitido”. O mundo lamenta e chora o massacre dos jornalistas do Charlie Hebdo, e a morte dos profissionais da mídia satírica representa um grave atentado à liberdade de expressão. Contudo gostaria de chamar a atenção para uma hipocrisia que protagonizamos. Se é intolerável a violência usada como resposta às críticas dos jornalistas, como podemos aceitar que em nosso país pratiquemos essa intolerância contra aqueles que pensam diferente das manchetes oficiais dos jornais que representam as massas dominantes?

Por Siro Darlan Do Jornal do Brasil

O que caracteriza um comportamento fascista é a intolerância aos diferentes. A incapacidade de conviver com as diferenças gera violência inaceitável. Essa é uma prática fascista que afronta o direito á liberdade que o próximo tem de pensar e agir diferente do modelo capitalista, socialista, judeu, cristão ou mulçumano.

No Brasil, com todo excesso de presos contabilizados como o país com a 4ª população carcerária do Planeta e mais de 600 vagas como déficit, encontram-se presos brasileiros que ousaram pensar e agir diferente das regras convencionais. É fácil encontrar enquadramento legal quando não há tipicidade, sobretudo quando se trata de delito de opinião. Mascarar uma prática ilegal para retratar uma pseudo legalidade é uma prática fascista muito comum no Brasil. Os auto de resistência foram criados como uma ficção para justificar mortes ilegais praticadas por policiais.

Forjar flagrantes, como o ocorrido durante as manifestações de 2013, quando um policial foi filmado colocando um rojão na mochila de um adolescente e o discurso confessadamente nazista de um Comandante da PMRJ que ordenava matar os manifestantes ao estilo Alemanha 1930 são práticas toleradas por uma parcela significativa da sociedade que tolera essas práticas contra seus concidadãos, mas se assusta e protesta quando fundamentalistas em outras partes do mundo agem de forma idêntica contra cidadãos inocentes.

Fatos como o massacre de Paris devem nos fazer refletir sobre a importância para uma sociedade democrática de se preservar a todo custo a liberdade de expressão não apenas na França e em outras democracias tradicionais, mas é preciso que exercitemos uma compreensão maior com as diferenças e que sejamos mais tolerantes com as vozes dissonantes, sobretudo quando vindas de jovens que com olhos mais ingênuos e desejosos de justiça social testemunham um mundo pleno de hipocrisia e contradições que lhes deixamos como herança. É bom que sejamos mais tolerantes com as vozes críticas, ainda que ofensivas, mesmo que estejamos e posições absolutamente opostas.

* desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia.

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