O ‘novo normal’ é acessível para todos?

O “novo normal” do qual estamos falando é uma expressão cunhada por Mohamed El-Erian, empresário americano, conselheiro econômico principal da Allianz, para caracterizar o fato de que esta crise não é como as que vivemos nas últimas décadas.

A COVID-19 nos aterroriza pela incapacidade que temos diante do imprevisto, pela ausência de informações sobre o seu surgimento e desencontros quanto às formas de lidar com a pandemia. Sabemos, sim, da sua propagação.

Estamos tendo repercussões de toda ordem: econômica, social, ambiental, emocional, enfim em todas as dimensões do ser humano, que serão agudizadas com o tempo. Sabemos que nada nos assegura, ainda, quanto à prevenção por vacina.

Neste momento estamos colhendo compromissos de mudança, mas mudança disruptiva, por parte dos dirigentes de empresas, profissionais de RH, lideranças em geral, bem intencionados.

Reconhecemos que a solidariedade, a ação conjunta das empresas em função de soluções ágeis a favor da luta contra o inimigo comum, COVID-19, tem trazido bons e alentadores resultados quanto à mudança de comportamento dessas empresas.

Se de um lado temos as ações das empresas signatárias e não signatárias do Pacto Global ONU para o combate e amenização de perdas geradas pela COVID-19, as ações de lideranças exemplares como Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza, verdadeira referência, que compartilha suas decisões e inspira outras empresas às ações semelhantes, de outro ainda temos aqueles que anunciam que demitirão ou que subnotificam os casos ocorridos na empresa.

Sabemos que a normalidade é a qualidade do que é normal, segundo as normas ou regras estabelecidas. Esse padrão estabelecido garante a sobrevivência para aqueles que fazem parte da “normalidade”. Esses têm garantida a sua sobrevivência e proteção. Já os que estão fora da normalidade, não tem essa sobrevivência assegurada.

Quem em nossa sociedade está fora do padrão?

O “novo normal” é a proposta de um novo padrão que possa garantir nossa sobrevivência, um novo padrão de normalidade. Novas atitudes, novos comportamentos que precisarão estar contidos em um verdadeiro “Kit comportamental Novo Normal”. E qual seria a composição desse “kit”?

Yuval Noah Hrari, em seu livro “21 lições para o século 21”, cita: “As principais habilidades para lidar com as mudanças, aprender coisas novas e preservar seu equilíbrio mental em situações não familiares: reaprender a conviver consigo próprio, com o outro, com novos padrões de desenvolvimento profissional e com os conflitos naturais da mudança. Autoconhecimento”.

O Padrão estabelecido pela normalidade pré-COVID-19 trouxe à tona com muita clareza a seleção para o direito à sobrevivência para aqueles elegíveis ao isolamento social, por exemplo.

Destacaremos aqui apenas uma referência desse grupo fora do padrão: Mulheres Negras.

Diversidade Pós-Pandemia

Levantamento realizado pelo ID_Br Instituto Identidades do Brasil, Luana Genot, em março/abril de 2020, “Mulheres Negras – Saúde financeira e expectativas diante da COVID-19” , trouxe resultados do quadro da precariedade do trabalho e renda para as mulheres negras, colocando-as entre os grupos mais sujeitos aos efeitos da pandemia, reforçando dados do Instituto Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que aponta que as mulheres negras são 50% mais suscetíveis ao desemprego.

A maioria das participantes desse levantamento (72%) se encaixa no perfil das empreendedoras. Entre elas, o estudo mostrou que 79,4% não dispõem de reservas financeiras e 66,3% afirmaram não ter um planejamento estratégico anual para seu empreendimento. O levantamento também apontou que 44% das mulheres negras empreendedoras têm recursos para manter o negócio ativo por apenas mais um mês. Enquanto 56% afirmou que o custo mensal médio de seu negócio está entre R$1 mil e R$5 mil, valor superior ao auxílio emergencial oferecido pelo governo, de R$ 600,00.

Mulheres negras estão receosas em relação à manutenção de ações de diversidade e inclusão no local em que estão empregadas, considerando que no “pós pandemia”, o foco estará na recuperação das perdas financeiras e D&I não será mais algo a ser pensado.

Concordamos com esse receio pois temos conhecimento de lideranças que ainda acham que a inclusão com o equilíbrio entre as diversas identidades será obtido naturalmente, sem necessidade de esforço adicional o que vem sendo adotado por empresas que reconhecem a diversidade como atitude ética e de reparação à heranças históricas e aceleração da sustentabilidade corporativa.

O IBGE nos traz mais dados, preocupantes: dos 13,5 milhões de pessoas vivendo na pobreza, 75% são afrodescendentes.

Basta revisitar a história para termos as respostas: 10 milhões de pessoas escravizadas trazidas para este País, ao serem libertadas, não tiveram qualquer apoio para a nova vida. Hoje 54% da população é composta de negros que lutam para ter seus direitos reconhecidos e o mais vital é o trabalho, mas que gere renda. São condições extremamente desiguais para a busca de oportunidades no mercado de trabalho.

“Kit comportamental Novo Normal”

Deverá conter insumos básicos, mas imprescindíveis ao cumprimento de todos os propósitos que vem sendo citados, por todos nós. O Novo Normal vai manter a desigualdade, o racismo ou vamos colocar em prática a sororidade e o reconhecimento das perdas de talentos e de resultados para os negócios?

O que voce colocaria nesse “Kit”?

Colocaríamos respeito. A todo tempo presenciamos cenas de intolerância de toda ordem; desde a intolerância às questões intangíveis, tais como cultura, crença religiosa, valores, ideologia, até aquelas que estão aparentes como a cor da pele, orientação sexual, idade, aparência física, deficiência, entre outras.

Por Jorgete Lemos, Diretora de Diversidade da ABRH Brasil. É uma das Colunstas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.

+ sobre o tema

Pobre Palmares!

  por Arísia Barros União,a terra de Zumbi, faz parcas e...

Olimpíadas de Tóquio devem ser novo marca na luta por igualdade

Os Jogos Olímpicos da Cidade do México, em 1968,...

Lei 13.019: um novo capítulo na história da democracia brasileira

Nota pública da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais...

Gostoso como um abraço? – Por Maria Rita Casagrande

Por Maria Rita Casagrande para as Blogueiras Negras Feche...

para lembrar

Caneladas do Vitão: Uma vez Anielle, sempre Marielle 2

Brasil, meu nego, deixa eu te contar, a história...

Cida Bento – A mulher negra no mercado de trabalho

Sinceramente eu nunca dei para empregada domestica acho que eu...

Primeira vereadora negra eleita em Joinville é vítima de injúria racial e ameaças

A vereadora Ana Lúcia Martins (PT) é a primeira...

Representantes da AMNB fazem reunião com ministra Luiza Bairros

Por volta do meio dia desta quinta-feira (14), as...

Comida mofada e banana de presente: diretora de escola denuncia caso de racismo após colegas pedirem saída dela sem justificativa em MG

Gladys Roberta Silva Evangelista alega ter sido vítima de racismo na escola municipal onde atua como diretora, em Uberaba. Segundo a servidora, ela está...

Uma mulher negra pode desistir?

Quando recebi o convite para escrever esta coluna em alusão ao Dia Internacional da Mulher, me veio à mente a série de reportagens "Eu Desisto",...

Da’Vine Joy Randolph vence o Oscar de Melhor atriz coadjuvante

Uma das favoritas da noite do 96º Oscar, Da'Vine Joy Randolph se sagrou a Melhor atriz coadjuvante da principal premiação norte-americana do cinema. Destaque...
-+=