O plágio e o apagamento da intelectualidade negra

Uma das formas de apagamento experimentadas por profissionais e especialistas negros é a falta de reconhecimento

FONTEPor Liliane Rocha*, da Época
Copiar sem citar, apropriar-se do conhecimento de um autor, e/ou até mesmo dizer que é seu, é só um exemplo de plágio (Foto: Pexels)

Nos últimos dias, tenho refletido muito sobre o porquê de ser tão difícil para as pessoas, ainda atualmente, darem crédito e reconhecimento aos trabalhos, resultados, ideias, propriedade intelectual de profissionais e especialistas negros.

Como diz a Dra. Fernanda Macedo, mulher, negra, responsável pela área jurídica da Gestão Kairós, “sabemos que o racismo encontra várias maneiras de se manifestar e ao desvelar uma de suas faces, que está diretamente ligada à ascensão intelectual negra, percebemos como o plágio se torna uma forma de apagamento”.

É como se uma pessoa negra até pudesse ser boa o suficiente para ser um empregado ou funcionário nosso, trabalhar para nós, ser um par profissional quem sabe, mas jamais nosso chefe, nosso professor, um especialista dotado da capacidade de cunhar conceitos e desenvolver ideias que mudem o mundo.

É como se as pessoas sequer se dessem conta de que uma das formas de apagamento experimentadas pela intelectualidade negra é exatamente a falta de reconhecimento, ou seja, uma verdadeira exclusão por meio do plágio, que nada mais é do que cópia! Copiar sem citar, apropriar-se do conhecimento de um autor, e/ou até mesmo dizer que é seu, é só um exemplo de plágio. Considerada uma prática antiética, no Direito Autoral, o plágio é citado e considerado crime previsto no Código Penal e na Lei dos Direitos Autorais.

Na minha experiência intelectual, me deparo com frequência com o plágio conceitual, que se caracteriza justamente quando os conceitos da minha obra, “Como ser um líder inclusivo”, são utilizados para a criação de uma produção intelectual sem a devida menção. Tenho vivenciado muito isso com o Diversitywashing (Lavagem da Diversidade) – termo cunhado por mim em meados de 2016, e do qual tenho registro na Biblioteca Nacional e no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Quase sempre, vejo pessoas utilizando o termo, referenciando outras fontes, com datas posteriores à publicação de meu primeiro artigo sobre o tema, mas é claro, sem os devidos créditos. Ou utilizando frases inteiras do livro “Como ser um líder inclusivo” sem mencionar a fonte.

Neste caso, acredito que as mulheres negras sofrem dupla opressão: de gênero e de raça. Enquanto observo que pares meus, homens ou mulheres, brancos, héteros e cisgêneros, são sempre mencionados, ainda que as frases e menções em questão não sejam suas, já quando falamos de criações, menções e afins de mulheres negras, notamos uma outra postura individual e coletiva.

Qual a melhor forma de embarreirar a ascensão de um determinado grupo social do que a exclusão da sua intelectualidade? Lembro de todos os especialistas que admiro há alguns anos, em sua grande maioria homens, brancos, héteros, notórios – e com razão, pois assim o merecem -, e não posso deixar de pensar, será que se fossem negros, mulheres, homossexuais, bissexuais, transgêneros (travestis, transsexuais), pessoas com deficiência, seriam reconhecidos na mesma medida?

E ao mesmo tempo questiono quando teremos um reflexo de intelectuais negros, negras, na medida do imenso volume de pessoas brilhantes que conheço a cada dia desses últimos 16 anos trabalhando com diversidade e inclusão em todo o Brasil?

Por fim, no plano da educação, as pesquisas existentes apontam que, mesmo o acesso tendo crescido no país nos últimos anos, a presença dos negros nos níveis superiores de formação permanece menor do que a dos brancos. Tratando-se de pós-graduação, os números são menores e, quando feito o recorte de gênero, essa diferença se torna ainda maior.

A realização de políticas afirmativas, em muito, contribui na tentativa de combater esse significativo desnivelamento existente. Mas, mais do que isso, a nossa postura individual, honesta e coerente diária faz toda a diferença. Então, quero terminar este artigo lançando uma provocação: você já deu créditos, visibilizou ou deu as devidas referências à intelectualidade de um ou uma profissional e especialista negro ou negra? Se ainda não, te convido a fazer isso a partir de hoje!

*Liliane Rocha é CEO e fundadora da Gestão Kairós, consultoria especializada em Sustentabilidade e Diversidade, autora do livro Como ser um líder Inclusivo e premiada com o 101 Top Global Diversity and Inclusion Leaders

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