O planeta das “negritas de 25 de mayo”

Geledés

Moro na Argentina não sei faz quanto tempo em total, mas da última vez que cheguei do Brasil eu tinha uns treze anos. Antes eu morava na zona norte em São Paulo e minha última casa foi no Jaçanã. Chegamos aqui com minha mãe e meus irmãos antes da crise do ano 2001, tempo em que passei a minha adolescência. Tive sorte de pular a escola primária argentina, com exceção de alguns anos que foram para mim bem intensos, por ser um quase brasileiro recém-chegado, com conta a do racismo e a xenofobia dos meus coleguinhas, hoje nenhum deles meu amigo.

por Rodrigo Arreyes via Guest Post para o Portal Geledés

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Argentina é um pais predominantemente formado por lhanuras, onde os produtores agrícolas, parentes de genocidas, produzem o alimento para toda a nação. O emblema dessa cultura produtiva é a vaca e o gaúcho, representado no grande poema argentino Martín Fierro.

A oligarquia argentina é branca e católica e seus interesses estão em harmonia com a educação e a mídia moderna, ainda fortemente racistas, espaço onde se desenvolve a costume de chamar negro àquelas pessoas que descendem dos verdadeiros donos da América. Bolivianos, paraguaios, chilenos, argentinos ou qualquer pessoa que não seja 100% branca leva o nome de negro.

Na argentina o pessoal diz “negro de mierda” como dizem “mamãe eu te amo” o “deus me livre”. Não exagero. Mesmo na frente de um negro, que abaixa a cabeça, a teoria de que os negros são o problema da Argentina tempera as relações socias.

Os negros sempre chegam de fora para roubar, estuprar ou viver do dinheiro do governo.

 

Mas cadê o negro africano nessa história? Como em outras nações da América, o negro afro americano na Argentina chegou a representar a metade da população em diversas províncias. Isso pode ser lido, por exemplo, em romances como Amalia, de José Mármol, onde eles são os responsáveis por cometer os piores crimes contra os brancos ao colaborarem com Rosas. Foi a época em que o negro mais participou da vida política portenha, pelo que a ofensa que sentiram os oligarcas foi maior do que nunca. Esse romance, cânone nacional ensinado em Letras da UBA, é uma verdadeira declaração de guerra contra os negros e uma jura de amor eterna pela Europa. Nesse momento os negros representavam o 30% da população em Buenos Aires.

Se você é negro e viajou alguma vez para a Argentina, sabe do que eu estou falando: todo o mundo olha para você como se você fosse um extraterrestre. É que faz tempo que a educação argentina vem fazendo de conta que sempre fomos um pais de brancos, quando isso não é verdade.

Se eu tivesse chegado uns anos atrás, não aos 13, talvez teria mais para contar do assunto que quero tratar, porque é coisa de criança – e criação. Tudo começa no passado e na infância. 25 de maio é o dia para celebrar a nossa argentinidade, o dia em que decidimos formar um governo próprio sem a Espanha. Nos colégios a época da independência é representada em atos escolares com seus personagens típicos. Se você tivesse que assistir um desses atos, entre esses personagens típicos aparece aquele cuja presença/ausência é mais do que violenta: uma menina branca com um lenço vermelho na cabeça e a cara manchada com graxa representa a “negrita de 25 de mayo”. Em maio as lojas escolares sempre tem em exibição as roupas que irão vestir as meninas brancas argentinas.

Tenho uma filha de dois anos e sou afrodescendente. Uma das primeiras coisas que aconteceu comigo quando cheguei à Argentina foi ter que abandonar a religião que a minha avó me ensinou e respeitar as novas costumes, já que se alguém soubesse que eu fazia benção no quintal da minha avó, não sei… não consegui ser o único brujo da minha classe. Já passaram mais de 200 anos da nossa independência, e realmente nunca foi dado um debate na educação ou una cultura –sim política, mas com reservas- que soubesse trazer de novo a realidade daquelas minorias que no passado foram assassinadas. Tanto é o racismo, que ninguém acha estranho, no ano 2014, que suas filhas façam semelhante espetáculo grotesco. Tenho uma filha de dois anos e gostaria de transmitir para ela aquilo que tanto tentaram destruir. É o minha missão ensinar o contrário do que vão lhe ensinar no Planeta das negritas de 25 de mayo. Tomara que de tudo certo!


** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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