Geledés teve acesso ao chamado Projeto 2025, elaborado para a realização da transição presidencial, com as diretrizes para o segundo mandato do governo Trump, o Trump II. O projeto se sustenta em quatro pilares: um guia de políticas para a administração presidencial; um banco de dados no estilo LinkedIn de funcionários que podem servir nesta administração; treinamento para esse grupo de candidatos chamado de “Academia de Administração Presidencial”; e um manual de ações a serem tomadas dentro dos primeiros 180 dias de Trump na liderança dos Estados Unidos. O Projeto 2025 é liderado por dois ex-funcionários do governo anterior de Trump, Paul Dans, que foi chefe de gabinete no Escritório de Gestão de Pessoal dos Estados Unidos (United States Office of Personnel Management – OPM), e Spencer Chretien, ex-assistente especial de Trump e agora diretor associado do projeto.
Entre suas diretrizes, o Projeto 2025 lançou o documento Mandate for Leadeship- The Conservative Promise 2025 (Mandato para a Liderança- A Promessa Conservadora) executado pela instituição norte-americana Heritage Foundation, composta por um conselho consultivo com mais de 100 grupos conservadores que servirá de bússola ao governo Trump. O documento de 900 páginas divididas em cinco capítulos foi feito em colaboração com mais de 400 acadêmicos e estabelece o desmantelamento do Estado intervencionista, a defesa das fronteiras, assegurar o que chamam de “de direito divino dos indivíduos de viverem livremente” e a restauração da família como centro da vida dos norte-americanos. Entre as medidas está a eliminação das “lições danosas da ‘teoria crítica da raça’ e da ‘ideologia de gênero’ dos currículos de todas as escolas públicas do país. O documento começou a ser gestado em 2022, foi publicado em 2023, mas não é a primeira vez que a Heritage Foundation se lança a desenhar esse tipo de iniciativa, uma vez que muitas das ideias ressurgiram do governo conservador de Ronald Reagan (1981-1989).
Neste momento, além das orientações, o objetivo do projeto é obter recursos através da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (United States Agency for International Development, USAID), órgão do governo norte-americano responsável pela distribuição da ajuda externa, sob as diretrizes do Departamento de Estado dos EUA, para os projetos da ultradireita.
No capítulo sobre Direitos Humanos e política externa, em relação especificamente à atuação das Nações Unidas e das Organizações-Não-Governamentais (ONGS), o documento concluiu que há uma “inércia burocrática: incoerência programática; gastos desnecessários; e dependência de grandes prêmios para um complexo industrial de ajuda egoísta e politizado de agências das Nações Unidas, organizações não governamentais (ONGs) internacionais e contratantes com fins lucrativos”.
O documento afirma que os programas humanitários multibilionários da USAID, que antes eram 80% em resposta a desastres naturais, agora são 80% em resposta a crises violentas causadas pelo homem e se tornaram uma característica permanente e empobrecedora do cenário global. “Sob a Administração Trump, a USAID se concentrou em acabar com a necessidade de ajuda externa colocando os países em uma Jornada para a Autossuficiência”. Ou seja, aponta para a ideia de estrangulamento das políticas de financiamentos a essas organizações.
A Bíblia trumpista descreve também as realizações do governo Trump I ao destacar a simplificação dos “procedimentos de aquisição para diversificar sua base de parceiros” e a institucionalização de políticas pró-vida e favoráveis à família. Entre as observações feitas no documento está a de que “os burocratas do Departamento de Estado infundem nos programas de ajuda externa dos EUA, o extremismo woke sobre a “interseccionalidade” e o aborto”. O uso do termo woke (despertar) surgiu na comunidade afro-americana e originalmente traduzia “estar alerta para a injustiça racial”.
Ao criticar o governo Biden, o documento sublinha que a agência USAID foi “deformada ao tratá-la como uma plataforma global para perseguir no exterior uma agenda política e cultural divisiva que promove o aborto, o extremismo climático, o radicalismo de gênero e intervenções contra o racismo sistêmico percebido. Ela dispensou décadas de consenso bipartidário sobre ajuda externa e buscou políticas que contrariam os valores americanos básicos e antagonizaram nossos parceiros na Ásia, África e América Latina”. O parecer vai em direção às medidas de Trump para eliminar muitas políticas de diversidade, equidade e inclusão (DEI).
Publicamente, durante as eleições como uma tática de angariar votos de indecisos, Trump manteve uma atitude de descompromisso com o Projeto 2025. “Não tenho ideia de quem está por trás disso”, anunciou ele em suas redes. Na prática, Trump já começou com a implementação desse guia político no primeiro dia de governo, com 78 decretos revogados que haviam sido assinados pelo ex-presidente Joe Biden, como as medidas de apoio à equidade racial e ao combate à discriminação contra gays e transgêneros. Entre os decretos está o de que os Estados Unidos reconhecerão apenas dois sexos, masculino e feminino, que são imutáveis, encerrando com uma canetada uma série de políticas destinadas a promover a igualdade racial e proteger os direitos das pessoas LGBTQ+. Segundo esse decreto, o termo “sexo” deverá ser usado no lugar de “gênero”, ao mesmo tempo em que determina que os documentos de identificação emitidos pelo governo, incluindo passaportes e vistos, sejam baseados no que ele descreve como “a classificação biológica imutável de um indivíduo como masculino ou feminino”.