O que aprendemos com as pretinhas da ginástica artística nessas olimpíadas

FONTEPor Carolina Brito, enviado ao Portal Geledés
Carolina Brito (Foto: Arquivo Pessoal)

Que as Olimpíadas estão levando nossos nervos e resgatando o que restou do nosso patriotismo (ou quase isso), todo mundo sabe. Mas não tem como falar dos jogos olímpicos sem falar da ginástica artística e como as pretinhas movimentaram as notícias mundiais, assim como nosso orgulho, nossas emoções e também o pódio. 

Desde o começo das competições até agora, já nos últimos dias de jogos, podemos trazer vários ensinamentos possíveis desses jogos olímpicos que, devido a pandemia, já se mostrava peculiar. A participação de ginastas como Rebeca Andrade e Simone Biles não se faz diferente. E, no contexto Brasil, ter Daiane dos Santos como comentarista nos trouxe outros tantos sentimentos para esta competição.

Separei aqui alguns ensinamentos que foram deixados pela participação dessas pretinhas nas Olimpíadas Tóquio 2020.

1 – Estamos Abrindo Caminhos

A primeira mulher a ganhar uma medalha em Olimpíadas na ginástica artística é preta. A primeira atleta brasileira (entre homens e mulheres) a ganhar uma medalha em Campeonato Mundial de ginástica artística, também é preta. Rebeca Andrade e Daiane dos Santos, esses são os nomes delas. 

Daiane dos Santos é uma ex-ginasta brasileira, natural de Porto Alegre – RS, responsável por colocar o nome do Brasil em grandes pódios mundiais. Marcando a história ao som de Brasileirinho e também possui dois movimentos que levam seu nome após ser a primeira ginasta no mundo a realizá-los.

“Durante muito tempo as pessoas disseram que não poderia ter uma ginasta negra, que as pessoas negras não poderiam fazer alguns esportes. E a gente vê hoje a 1ª medalha para uma menina negra. Tem uma representatividade muito grande nisso.” Daiane dos Santos

É inegável a importância da Daiane para que Rebeca chegasse até aqui. Rebeca Andrade fez história nos Jogos Olímpicos de 2020. Natural de Guarulhos – SP, a ginasta trouxe a medalha de ouro e de prata para o Brasil e colocar o nome dela como a primeira atleta brasileira a ganhar medalha olímpica.



Juntas essas duas inspiram muitas outras pretinhas.

Rebeca Andrade (Foto: Miriam Jeske/COB)

2 – Cuidar da sua Saúde Mental é Prioridade

A ginasta norte-americana, Simone Biles, de 24 anos, considerada a melhor ginasta da história, surpreendeu a todos ao declarar que iria desistir das finais do individual geral e de quase todos os aparelhos da ginástica artística nas Olimpíadas de Tóquio. Além de não compor mais a equipe norte-americana na competição em grupo.  

“Tenho que colocar minha saúde mental como prioridade. Não vejo problema em desistir de grandes competições para focar em você porque mostra força como competidora e como pessoa.”  Relatou a ginasta, declarando ainda a dificuldade em se manter numa competição de altíssimo nível quando não se tem controle do próprio corpo.

Como mulheres negras, entendemos como muitas vezes precisamos ser 3,4 vezes melhores no desempenho de qualquer atividade para poder ter destaque. Entendemos como a raça fala primeiro e como muito das nossas inseguranças vem por essa relação de ser um corpo preto no mundo.  

Biles nos ensina como é importante priorizar nossa saúde mental e isso pode resultar também em precisar tomar decisões difíceis. Mas que não podemos resumir nossas trajetórias a um momento como esse. Tanto é que Simone voltou a competição na prova de trave e conquistou mais uma medalha olímpica para sua coleção. E mostrou para o mundo inteiro como saúde física também é saúde mental.

3 – Empatia também é vibrar pelo outro

Quem viu a Simone Biles vibrando o desempenho de Rebeca Andrade na prova e  Daiane dos Santos emocionada e emocionando todos nós ao falar sobre a conquista da primeira medalha da ginástica artística feminina vir de uma menina preta, sabe do que eu tou falando. 

Quando estamos iniciando o acesso a estudos feministas nos deparamos com essa quebra da ideia de ver outras mulheres como ameça ou inimiga, para poder nos aproximar a partir das nossas pautas e demandas. Mas também percebemos como é urgente a inclusão de pautas minoritárias dentro desses debates e como a questão racial muitas vezes é deixada de lado dentro das pautas de gênero. A intersecção é um um projeto urgente a ser englobado dentro dos debates feministas. E por que venho falar sobre isso neste tópico?

A filósofa brasileira, Vilma Piedade, nos traz um conceito que pode falar bem sobre esse sentimento: a dororidade. O termo, que etimologicamente nos lembra sororidade e parte de uma proposta parecida sobre a questão de união, se destaca ao trazer uma ideia de se pensar essa união entre mulheres negras a partir de um fator que engloba a dor e, segundo a autora, A Dor é Preta! Se a dor é fruto do racismo, nós mulheres negras, sentimos com e pela outra. Nossa relação com o mundo vem a partir de sentimentos que envolvem as opressões interseccionais que nos atravessam e, por isso, quando vemos Pretas no Topo, vibramos sabendo a importância disso.

Isso é sobre representatividade, empatia, dororidade e UBUNTU!

4- Confie no seu processo

“Mesmo que eu não tivesse ganhado, teria feito história. Justamente pela minha história, pelo meu processo para chegar até aqui” Rebeca Andrade

Uma das coisas que mais nos encantou na ginasta Rebeca Andrade, foi a sua segurança e a doçura em todas as etapas das olimpíadas desse ano. Começou pela gratidão e animação em ganhar a medalha de prata. A segunda medalha, a de ouro, ainda mais sorrisos, gratidão, reconhecimento sobre a sua importância e a importância do seu processo. Mas na sua última competição, Rebeca não conseguiu ficar no pódio. E o que ela nos trouxe? Mais sorrisos, mais gratidão pelo processo que a fez chegar até ali e mais orgulho para os nossos corações. 

Claro, a gente sabe que com duas medalhas no peito, fica mais fácil ser grato pelo processo. Mas não podemos apagar aqui os momentos de dificuldade da atleta.  Rebeca Andrade falou sobre como a maturidade ajudou a entender todo o processo que a fez ganhar medalhas nesta Olimpíadas. Sobre a importância do apoio que recebeu em todas as fases, inclusive as mais difíceis. Isso é sobre respeitar nossos processos e acreditar nos nossos sonhos.

5 – Não esqueça de quem esteve ao seu lado

“É assim que eu vejo a minha história, eu não cheguei aqui sozinha, eu tive todas essas pessoas aqui me ajudando” Rebeca Andrade

Durante esses dias de Jogos Olímpicos, tivemos acesso a várias matérias que mostraram a trajetória da nossa campeã desde o início da sua vida como atleta. Rebeca, filha de mãe solo e empregada doméstica, nos fez vibrar ao escutar Baile de Favela nas Olimpíadas. E que baile!

É a favela no pódio da Olimpíada. E favela é sobre comunidade!

A menina que deixou cedo a casa da mãe para morar com o treinador e se dedicar ao seu sonho, não deixou em nenhum momento de dizer as várias mãos que fazem parte do seu sucesso. As dificuldades com o processo enquanto atleta que incluíram questões financeiras, físicas e também psicológicas, só foram superadas por ter várias pessoas acreditando nela.

Psicóloga, treinador, família, equipe, colegas de esporte… Rebeca Andrade dedicou a conquista das medalhas dela a todos que contribuíram e fizeram parte dessa história.

A primeira medalha olímpica do Brasil na ginastica artística feminina é preta!

Essas foram algumas das contribuições de mulheres negras nas Olimpíadas Tóquio 2020. Continuamos fazendo histórias e movendo estruturas. 

Mini Bio: Carolina Brito é paraibana, pós-graduanda em História e Cultura Afro-brasileira, MBA em produção de conteúdo para mídias digitais e Bacharela em Arte e Mídia – UFCG. Artvista, produtora cultural, empreendedora, criativa, aprendiz e dançante. É diretora e idealizadora da Enegrecida e líder apoiada no Programa Marielle Franco, do Fundo Baobá.

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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