O racismo também vai à festa

Negros em uma formatura com turbante na cabeça? Negros se formando na universidade? Recebendo títulos de melhores alunos? Perguntas como essas podem ter inspirado o grupo de estudantes racistas que agrediram a Pedagoga, militante do Coletivo Enegrecer e Conselheira Nacional de igualdade Racial (CNPIR) Dandara Tonantzin Castro, na festa de formatura da turma dos estudantes de engenharia civil da Universidade Federal de Uberlândia – UFU, no último sábado (23/4).

Por Walmyr Junior Do Jornal do Brasil 

Vivemos em meio ao pluralismo cultural, religioso e étnicorracial, que nos promove a vivência nas mais ínfimas possibilidades das diferenças e alteridades.

Dandara foi cruelmente violentada, física, verbalmente e simbolicamente. Teve o seu turbante arrancado e jogado no chão, foi alvo de copos de cerveja, de intolerância e de racismo. Foi ameaçada, achincalhada, sofreu xingamentos e o medo tomou conta do fim da experiência frustrante de celebrar a formatura de seus amigos.

foto: Reprodução/Facebook

 

Agride-se porque é negra, porque é mulher, porque sua fé destoa-se do padrão normalizador. Agride-se porque o racismo é construído pra aniquilar, para tentar anular nossas existências.

O crime de racismo é previsto na Lei n. 7.716/1989, implica conduta discriminatória dirigida a determinado indivíduo, grupo ou coletividade e o crime é inafiançável. A justiça já foi acionada e a polícia local investiga o caso.

Dandara, que a força dos nossos ancestrais te protejam e te deem forças para reerguer-se. Que a justiça brasileira seja incisiva na averiguação do caso e penalize esses criminosos. A nossa luta é unificada, é diária e não cessará. Racistas não passarão. #UBUNTU

Segue o relato autêntico publicado por Dandara sobre o caso nas redes sociais:

“A NOSSA PRESENÇA INCOMODA.

Sobre o racismo em uma festa de formatura.

Nessa semana participei da formatura dos meus amigos da engenharia civil – UFU. Na noite de ontem, no baile, fui de TURBANTE. No início muitos olhares incomodados, mas os vários elogios me acalmavam. Quase no fim da festa, já do lado de fora um cara branco, puxou meu turbante forte. Disse para ele soltar e saí. Quando passei por ele novamente, sozinha, ele puxou pela segunda vez, fiquei tão brava que gritei para ele não tocar no meu turbante. Ele acenou para os amigos virem, quando juntaram em uma rodinha um deles puxou o turbante da minha cabeça e jogou no chão. Quando fui catar, incrédula do que estava acontecendo, jogaram cerveja em mim. Muita cerveja. Fiquei cega, sai desesperada para achar meus amigos. Sabia que se ficasse ali poderia até ter mais agressões físicas.

Meus amigos imediatamente chamaram a segurança (todos negros) que logo entenderam que se tratava de racismo e logo foram tira-los da festa. Um deles teve a cara de pau de falar ao segurança que não meu agrediu “só tirei aquele turbante da cabeça dela”. As namoradas (todas brancas) vieram pra cima de mim. Tentei explicar que era racismo, o cinismo prevaleceu e sem êxito sai de perto. Ficaram de cima dos seguranças pedindo para me tirar da festa também, como se a minha presença fosse um problema. Meus amigos ainda tentaram conversar mas o ódio cega. Quando fui no banheiro ainda tive que ouvir ameaças indiretas, sobre me bater e outras coisas terríveis que não consigo nem dizer aqui. Fomos os últimos a sair por medo de fazerem alguma coisa conosco do lado de fora.

Negros na formatura? Na limpeza, segurança ou servindo.

Me mantive forte muito tempo. Mas o racismo é cruel. Minhas lágrimas estão molhando muito a tela do celular, só de pensar que estes e tantos outros passaram impunes. Tenho muito orgulho de ter formado um preto, pobre vindo do interior como o Filipe Almeida, seguimos com a certeza de que vamos resistir.”

* Walmyr Junior é morador de Marcílio Dias, no conjunto de favelas da Maré, é professor, membro do MNU e do Coletivo Enegrecer. Atua como Conselheiro Nacional de Juventude (Conjuve). Integra a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ

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