“Eu digo a você hoje, meus amigos, que embora nós enfrentemos as dificuldades de hoje e amanhã, eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano”, assim se dirigiu, em um longínquo agosto de 1963, a uma multidão de aproximadamente 200 mil pessoas, nas escadarias do Abraham Lincoln Memorial, de Washington, o reverendo Martin Luther King Jr.
Certamente a personalidade mais importante da política estadunidense pelos direitos civis do século 20, Luther King ainda faz ecoar suas palavras em nossos ouvidos nos dias atuais —que continuam cheios de indiferenças e de discórdias racializadas.
O mundo, por uma razão sanguinária, está sempre preparado para a guerra, seja ela qual for, nunca para a paz. Para tanto temos, em cada parte do imenso planeta, ministérios da guerra, nunca ministérios da paz.
Naqueles idos do século passado, o reverendo Martin Luther King Jr. sabia como traduzir todo o seu sentimento em palavras carregadas de entonação emocional, expressão facial e poderoso gestual de mãos e corpo que hipnotizava toda a multidão.
Seria esta mesma eloquência, ouvida e ecoada por todos os cantos do país, que o consagraria, no ano de 1964, como o primeiro negro estadunidense a ganhar o Prêmio Nobel da Paz, distinção somente igualada pelo então presidente Barak Obama, 45 anos depois.
Sessenta anos passados daquele glorioso dia, a potência de “I Have a Dream” continua a ecoar, a nos chamar à responsabilidade —sobretudo em uma sociedade como a brasileira— para os desafios da nossa humanidade perante questões tão fundamentais, essenciais e precípuas à existência, que envolvem, em específico, gênero e questões raciais.
Luther King foi uma espécie de Mahatma Gandhi negro dos Estados Unidos. Era pacífico. Seu legado é o grande marco da sociedade estadunidense, que a todo momento se mostra no avanço-recuo no que concerne aos direitos humanos e ao processo civilizatório, que demanda coragem para o enfrentamento dos dilemas para a melhor convivência entre os povos.
Foram 17 minutos ouvindo uma voz que ainda nos reverbera, como parte da Marcha Sobre Washington Por Trabalho e Liberdade. Numa das passagens do discurso —na verdade, improvisada graças a uma recomendação do amigo e congressista Mahalia Jackson — King Jr. disse “Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença. Nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados iguais.”
Em um mundo cada vez mais bélico —só olhar a nova guerra entre Israel-Palestina—, onde pessoas se odeiam sem bem saber o porquê, o discurso do reverendo King Jr. precisa ser urgentemente revisitado.
No livro “A Autobiografia de Martin Luther King”, organizado pelo historiador Clayborne Carson e publicado pela Zahar, em 2014 —belamente traduzido por Carlos Alberto Medeiros—, é justo atribuir ao líder negro estadunidense a grande voz que “influenciou o mundo inteiro” e como aquele que conduziu “uma revolução que mudou os Estados Unidos”. Ainda segundo o tradutor da obra, King Jr. representa “uma mensagem de paz, de união entre os seres humanos acima de quaisquer diferenças”.
Após seu covarde assassinado, em abril de 1968, aos 39 anos, Martin Luther King Jr. se tornou um mártir e uma legenda para os afro-estadunidenses e para o resta da humanidade.
No seu famoso discurso, reproduzido neste livro, King Jr. alertou, há 60 anos, diante da multidão extasiada pela força de sua voz: “Cem anos depois o negro ainda não está livre. Cem anos depois, a vida do negro ainda é tristemente deformada pelas algemas da segregação e pelas cadeias da discriminação. Cem anos depois, o negro vive em uma solitária ilha de pobreza em meio a um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos depois, o negro ainda adoece nos cantos da sociedade americana e se encontra exilado em sua própria terra.”
Melhor recado do que este não existe, brasileiros e brasileiras. Por todas essas razões o legado do reverendo King Jr. precisa tanto ser revivido e celebrado.