O sujeito feminino na escrita da mulher afrodescendente

EM CADERNOS NEGROS: OS MELHORES CONTOS

Autora: Wilany Alves Barros1 Elio Ferreira de Souza2 

 

RESUMO –
A investigação da escrita feminina pelo próprio negro e sobre ele mesmo, bem como o estudo comparado dessa literatura, com a cultura herdada dos ancestrais africanos tem sido motivos de seminários, debates, palestras, dentre outros no Brasil e fora dele. Baseado nisso, teorizou-se um estudo das produções de escritoras que compõem a coletânea dos Cadernos Negros, que tematizam a condição humana, e as formas de ser- negro. Desse modo, foram escolhidos alguns contos das escritoras Esmeralda Ribeiro, Conceição Evaristo, Miriam Alves, publicados no Cadernos Negros: os melhores contos (1998). O livro fala da memória individual e coletiva afro-femininos com o intuito de desconstruir estereótipos forjados pelo discurso patriarcal. Estuda a relação de gênero que está voltada para questões étnicas e de denúncia do branco. Tenta se mostrar o que seria literatura afrodescendente e como ocorre o processo de construção dessa literatura para o cenário brasileiro. Mapeou-se a importância da escrita feminina para a construção de identidade negra no conto Guarde Segredo, de Esmeralda Ribeiro. Como se processa o diálogo do romance Clara dos Anjos, do pré-modernista Lima Barreto e do conto Guarde Segredo, de Esmeralda Ribeiro, esta sendo editora da coletânea Cadernos Negros e integrante do Quilombhoje.

PALAVRAS-CHAVE – Literatura Afro-Brasileira. Afro-feminino. Os Melhores Contos. Identidade. Memória. Sujeito feminino.
Introdução

O objetivo deste trabalho é estudar a literatura afro-brasileira ou afrodescendente, em especial a escrita afro-feminina em Cadernos Negros: os melhores contos. A literatura negra fala da experiência pessoal e coletiva, da história, da memória, da condição humana de homens e mulheres negras em diáspora. Essa escrita tem procurado dar novas formas de representação e significado à história e à cultura do negro brasileiro. No século XIX, conta-se com a presença da primeira voz feminina negra, Maria Firmina dos Reis, com a obra: Úrsula (1859), cujo discurso aponta para o deslocamento de estereótipos raciais instituídos pelas narrativas do colonizador europeu e seus sistemas de escravidão. A primeira voz feminina no Brasil que registraria a temática do negro é da maranhense Maria Firmina dos Reis, com a publicação do romance Úrsula, em 1859. (MENDES, 2011, p. 24)

1 Professora de Literatura da rede privada em Teresina. Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas Afros da UESPI/ NEPA.
2 Professor de Literatura da Graduação e do Mestrado em Letras da UESPI e Coordenador do NEPA. 

Úrsula é o primeiro romance afro-brasileiro, cuja linguagem adquire um tom de denúncia contra a escravidão empreendida pelo conquistador europeu contra o africano, assim como expressa sentimentos de busca de igualdade, fraternidade e liberdade, misturados à resignação e à revolta do negro escravizado. Nesse contexto, a escritora refaz o caminho da África através da narrativa das memórias de uma africana escravizada no Btasil. Ao dedicar um capítulo a uma negra africana, Maria Firmina dos Reis inova, porque, até onde se sabe, na literatura, o negro não era concebido como ser humano. (MENDES, 2011, p. 29)

Nessa linha temática, as escritoras negras atuais elaboram obras literárias inovadoras, buscando a diversidade e as diferenças como valores positivos de representação das dimensões e experiências sociais, culturais e históricas. A literatura afro-feminina3 propõe-se à construção de personagens negras, mulher e sujeito negro da narrativa, que traduzam de fato a história e a realidade presente da diáspora negra, contrariando modelos estereotipados e preconceituosos forjados há séculos pelo discurso masculino e eurocêntrico. Esmeralda Ribeiro, integrante do grupo Quilombhoje Literatura e editora do Cadernos Negros, criado em 1978, esclarece: “O meu trabalho literário está dirigido a todas as pessoas que: têm gingado no andar, estão nos guetos da vida e fazem do espelho sua própria realidade” (1985, p. 9). Na América, a literatura negra feminina tem se intensificado com o movimentos em prol dos direitos civis da mulher e do negro (HALL, 2003). Suas vozes se lançam na tentativa de deslocar o discurso racista e o sexismo, ou seja, os escritos hegemônicos masculinos.

O avanço das ações afirmativas, que se intensificaram a partir do protagonismo do movimento negro nos últimos anos, pautou a necessidade de resgatar a herança da construção econômica e social brasileira, que deve seu desenvolvimento a 400 anos de escravidão. (RIBEIRO, 2008, p. 17)

Sob a perspectiva da escrita feminina e negra, o conto “Guarde Segredo”, de Esmeralda Ribeiro, reatualiza a leitura do romance Clara dos Anjos, de Lima Barreto, um dos principais precursores da literatura afrodescendente no Brasil. A narradora volta aos princípios do século XX, à época do texto original de Lima, para remontar as cenas da narrativa em fins do mesmo século. Esmeralda faz a releitura da obra, repetindo no seu conto o episódio romanesco que se consolida no ultraje e na sedução da jovem mulher negra pelo jovem branco, mas com desenlace diferente da obra original, pois a personagem se vinga das humilhações e da desfeita. Assim, quando a personagem principal, Clara dos Anjos, sofre o dissabor e a humilhação de ser seduzida, enganada e desonrada por seu namorado branco e maucaráter, Cassi Jones. No conto, a narradora apresenta uma nova possibilidade de reescrita e de releitura da obra de Lima Barreto, iniciando a narrativa com a recuperação da memória através de uma carta, que é significada como instrumento para a revelação do segredo.

3 Literatura afro-feminina aqui é compreendida como a produção literária de autoria de mulheres negras. Grifo nosso.


A imagem de Lima Barreto é recuperada para o tempo presente da ação narrada em forma de fantasma, materializado para escrever outro final feliz da história, pois a narradora não se conforma com a vergonha a que foi submetida a personagem Clara dos Anjos. A autora Esmeralda Ribeiro constrói uma personagem feminina, que representa um olhar diferente do senso comum ou masculino, uma vez que este aprisiona e engessa a mulher na condição de subserviência ante os valores dos grupos dominantes, nos espaços em que se tem observado a presença mais acentuada da mulher. A narrativa é apresentada dentro do viés da escrita feminina e negra, sob a perspectiva da diferença e resistência do outro, ressignificado na escrita dos Cadernos Negros. Eduardo de Assis Duarte registra que:

No alvorecer do século XXI, a literatura afro-brasileira passa por um momento extremamente rico em realizações e descobertas, que propiciam a ampliação de seu corpus, tanto na prosa quanto na poesia, […] (DUARTE, 2005, p. 1)

É evidente que a literatura afro-brasileira torna-se uma importante expressão artística, de produção de sua cultura e identidade afrodescendente. Essa escrita se apresenta em princípio com o poeta neoclássico, Domingos Caldas Barbosa (1740 – 1800). Posteriormente teve-se o ex-escravo, Luís Gonzaga Pinto da Gama (1830 – 1882), e a obra, Primeiras Trovas burlescas de Getulino 1859. Sobre este o professor Elio Ferreira de Souza declara que esse autor:

Foi o primeiro brasileiro a assumir a cor negra, com convicção, na sua escrita, sua sátira destronadora ridiculariza o preconceito racial do branco e o mulato enriquecido, este que nega o seu passado e a origem africana (FERREIRA, 2006, p. 36).

A literatura afro-brasileira tenta recuperar a identidade negra, recuperar a autoestima do negro, recompor a memória e a história, obliteradas pelas narrativas que tinham como princípio manter os privilégios das elites brancas. Uma das funções fundamentais da escrita afrodescendente é, através de poemas, contos, romances, reescrever a história de homens e mulheres negras sem ter que excluí-los sob a idealização de pessoas más, boazinhas, exóticas, estranhas etc. A Literatura Afro- brasileira opõe-se à exclusividade e ao essencialismo do cânon literário ocidental, assume posições de caráter ideológico e estratégias que dizem respeito à construção do texto literário, engajando-se à condição humana, à valorização da cultura, da história de homens e mulheres negras, denunciando as formas de exclusão dessa população marginalizada na periferia da sociedade moderna, problematizando as relações étnicorracionais nos espaços contemporâneos, recuperando a memória histórica dos ancestrais negros. Sueli Carneiro assinala que:

A expressão afrodescendente resgata toda essa descendência negra que se dilui nas miscigenações, desde a primeira miscigenação que foi o estupro colonial, até as subsequentes, produto da ideologia da democratização racial. A expressão resgata a negritude de todo esse contingente de pessoas que buscam se afastar de sua identidade negra, mas que têm o negro profundamente inscrito no corpo e na cultura. (DUARTE apud CARNEIRO, 2000, p. 120)

Daí que se faz importante lembrar que a cultura afrodescendente está e sempre esteve presente no Brasil, desde a chegada dos negros, “A reconstrução da identidade negra faz parte de um processo que teve início com a escravidão do africano e seu deslocamento forçado para um território desconhecido” (FERREIRA, 2005, p.28). Por mais que alguns “brancos” quisessem impedir tal cultura, a memória oral trazida pelos negros, nos “tumbeiros” passou de geração a geração e foi armazedana na memória dos griot4 e nas narrativas das mulheres negras, em geral idosas que, no Brasil, sobretudo no interior do Nordeste, viviam do ofício de contar histórias de engenhos em engenhos (CASCUDO, 1978).

A aceitação da identidade negra é fundamental aos negros da diáspora que passaram a ter orgulho de sua cor e cultura. Os autores negros através de suas organizações literárias vem conquistando espaços antes reservados apenas à literatura brasileira canônica. O conto “Guarde segredo”, de Esmeralda Ribeiro, sustenta-se num panorama histórico social em que a mulher consolida sua ascensão social, política e literária, tendo em vista as várias edições de sua publicação 1991/2/8. O que Esmeralda Ribeiro faz, na acepção de Cuti, poeta e também contista, é usar o próprio preconceito como tema de seus discursos.

4 “Terno do vocábulo franco-africano, criado na época colonial, para designar o narrador, cantor, cronista e genealogista que, pela tradição oral, transmite a história de personagens e famílias importantes às quais, em geral, está a serviço. Presente sobretudo na África ocidental, notadamente onde se desenvolveram os faustosos impérios medievais africanos (Gana, Mali, Songai etc.), recebe denominações variadas: dyéli ou diali, entre os Bambaras e Mandingas; guésséré, entre os Saracolês; wambabé, entre os Peúles; aouloubé, entre os Tucolores; e guéwel (do árabe qawwal), entre os Uolofes” LOPES, Nei. Diáspora africana. São Paulo: Selo Negro, 2004, p.310).

Uma das formas que o autor negro emprega em seus textos para romper com o preconceito existente na produção textual […] é fazer do próprio preconceito e da discriminação racial temas de suas obras, apontando-lhes as contradições e as consequências. Ao realizar tal tarefa, demarca o ponto diferenciado de emanação do discurso, o “lugar” de onde fala (CUTI, 2010, p. 25).

Essas são algumas das esgratégias dos autores negros para expressarem realidades, criando espaços onde o negro assume o lugar de sujeito, adquire voz própria dentro da narrativa. Nesse sentido, Cuti declara que “a literatura é uma ferramenta capaz de abrir espaço às vozes pouco ouvidas no cenário literário brasileiro” (2010, p. 24). É, pois, “através da linguagem que se constrói a identidade e se efetivam os relacionamentos. Por esse motivo é relevante tornarem-se explícitas as relações entre gênero e ideologia expressas através da linguagem” (ZINANI, 2006, p. 32).

Os textos de Lima Barreto e Esmeralda Ribeiro constituem um discurso que percebe o outro, a difença: “A literatura negra propõe igualmente a questão de como perceber o outro” (LOBO, 1993, p.15). Nas obras, o entrelaçamento ocorre quando Esmeralda Ribeiro traz para a sua narrativa a personagem Cassi Jones. No romance Clara dos Anjos, Lima Barreto enfoca a crueldade da sociedade preconceituosa do início do século XX. Denuncia a hipocrisia da época, ironiza a sociedade e satiriza os costumes. O romance se desenvolve em episódios, descrevendo o progresso acelerado do Rio de Janeiro, destacando o contexto nacional, econômico e social pelo qual o Brasil passava.

A obra traz à lume os costumes sociais e aristocráticos do subúrbio carioca. Seus personagens são descritos de forma caricatural, o autor desenvolve seu alterego, e se vale da experiência pessoal para denunciar através da narrativa literária, a discriminação sofrida pela população desfavorecida e marginalizada, no alvorecer do século XX. Clara dos Anjos, protagonista do romance, foi criada e educada pelos pais, era filha única, talvez por isso tenha sido mimada pelos pais, que esqueceram de mostrar a realidade e o preconceito racial da sociedade em que eles estavam inseridos, cujos valores e preconceitos raciais oriundos da escravidão eram ainda mantidos de forma vergonhosa.

Engrácia, cujos sentimentos maternos eram louváveis e meritórios, era incapaz do que é verdadeiramente educação. Ela não sabia apontar, comentar exemplos e fatos que iluminassem a consciência da filha e reforçassem-lhe o caráter, de forma que ela mesma pudesse resistir aos perigos que corria. A mulher de Joaquim dos Anjos tinha a superstição dos processos mecânicos, daí o seu proceder monástico em relação à Clara. Enganava-se com a eficiência dela; porque, reclusa, sem convivência, sem relações, a filha não podia adquirir uma pequena experiência da vida e notícia das abjeções de que está cheia, como também sua pequenina alma de mulher, por demais comprimidas, havia de se extravasar em sonhos, em sonhos de amor, de um amor extra-real, com estranhas reações físicas e psíquicas. (BARRETO, 2004, p. 62)

Como reflexo de tal educação, a menina passa a viver num mundo utópico, num mundo de sonhos, levando uma vida fútil, sem perspectivas de um futuro promissor e construído por ela mesma. Sua mãe a educou aos moldes da sociedade vigente, como todas as meninas de sua época, ou seja, preparando-a para o matrimônio, que em uma determinada hora bateria à sua porta e a levaria para viver o seu sonho de amor eterno.

O seu ideal na vida não era adquirir uma personalidade, não era ser ela, mesmo ao lado do pai ou do marido. Era constituir função do pai, enquanto solteira, e do marido, quando casada. Não imaginava as catástrofes imprevistas da vida, que os empurram, ás vezes, para onde nunca sonhamos ter de parar. (BARRETO, 2004, p. 102)

A personagem Clara dos Anjos, de Lima Barreto, diferencia-se da protagonista do conto “Guarde segredo”, de Esmeralda Ribeiro. A personagem criada pela contista do Cadernos Negros se apresenta como uma mulher independente, detentora de ideias avançadas que representam a mulher emancipada e consciente da sociedade contemporânea. No entanto, não é somente nesse aspecto que as personagens se diferenciam, os narradores são também diferentes e vivem em lugares diferentes. O narrador em terceira pessoa de Lima Barreto, parte da perspectiva masculina dos fatos, ou seja, quem ver e transmite as ideias, apresenta-as com base nas condutas morais e patriarcais da submissão feminina.

Esmeralda Ribeiro subverte o sistema de conduta moral e a hegemonia dos valores masculinos e brancos. Cria a personagem Clara que segue na contramão do discurso literário canônico, tendo em vista, que o narrador escolhido por Esmeralda Ribeiro parte da perspectiva feminina dos fatos e narra a história na primeira pessoa, como sujeito negro e feminino que sofre e pratica as ações. Nesse contexto, a autora contraria os discursos preconceituosos e estereotipados. “Ao assumir uma atitude contra-ideológica […], ela subverte os cânones tradicionais […] (BERNAD, 1988, p.52). A autora dá voz à mulher, para que assim, ela possa transmitir seus anseios e preocupações relacionadas às questões de etnia e de gênero.

O conto inicia com o recebimento de uma carta, enviada por uma amiga da família, cujo nome não é revelado no conto, e pede notícias sobre o desaparecimento da avó da protagonista do conto e a causa de seu silêncio. Ao ler a carta, a personagem ficou atordoada, pois ela imaginava que ninguém sabia do seu paradeiro. Ora, a personagem do conto “Guarde segredo” havia matado o próprio namorado, Cassi Jones. Em razão do homicídio praticado, Clara, do conto “Guarde segredo”, desaparece. Foge da casa da avó, sem deixar vestígios ou dar explicações. Nesse ínterim, a personagem muda de nome e de cidade.

No entanto, ao receber a carta, Clara, protagonista do conto “Guarde segredo”, responde em forma de carta-confissão. Ao responder as solicitações da amiga, a heroína confessa o crime. Ao desabafar, a personagem pede a amiga para não socializar o assassinato, pedindo-lhe que guarde o segredo. A narrativa de Esmeralda Ribeiro é construída através da evocação da memória pessoal da protagonista, reatualizando a temática negra a partir da reescritura de modelos da tradição literária afro-brasileira, aqui representada pela obra de Lima Barreto, um dos nomes mais significativos dessa tradição no nosso país.

Os caminhos construídos através da memória narrativa, […], formam uma imagem-lembrança na qual o narrador busca o desejo de perpetuação da memória: o tempo e o lugar das reminiscências do autor-narrador deslocam para o presente o mundo que ficou para trás. (FERREIRA, 2005. p. 32)

Dessa forma, as memórias do conto de Esmeralda remontam à reescritura da obra afrodescendente de Lima Barreto, recuperam episódios e imagens que constroem um quadro cuja moldura culmina no conto “Guarde segredo”. Ao responder à amiga, a protagonista relata suas aflições, seu enclausuramento psicoexistencial, no entanto, sente-se aliviada por fazer a autoconfissão, que ameniza o peso do crime cujas consequências lhe custaram o isolamento social, e, por conseguinte, o desligamento total dos amigos e familiares. Clara faz seu relato, descrevendo as dificuldades financeiras de sua família, a vida nômade que levava com seus pais pela cidade do Rio de Janeiro.

Tudo começou quando eu, papai e mamãe fomos despejados da nossa quitinete em Copacabana. Fui morar com vovó Olívia no subúrbio do Rio de Janeiro. Morávamos na Rua major Mascarenhas, no Bairro de Todos os Santos. Eu devia ter uns onze anos na época. (RIBEIRO, 1998, p. 65)

A carta relata com detalhes as reminiscências de Clara até seus dezessete anos, quando acontece o crime. A casa onde viviam era antiga e espaçosa, mas eram utilizados apenas dois cômodos, o quarto e a cozinha. Já os outros cômodos eram trancados a chave, inspirando uma atmosfera de mistério e segredo. Dona Olívia, avó da protagonista Clara, do conto “Guarde segredo”, quase não falava, apenas respondia o necessário, e quando sua neta perguntava algo sobre o espectro que aparecia e desaparecia de forma misteriosa, apenas fazia um “muxoxo” e retrucava “Vê se não me amola” (p. 67). O silêncio só era interrompido quando ouvia um “tec, tec, tec…, o homem datilografava apressadamente” (p. 66). O aparecimento frequente do fantasma fazia com que Clara questionasse a causa de tanto mistério em torno dele, e por que sua avó Olívia mantinha a escrivaninha o quadro envelhecido daquele homem.

Esmeralda recupera e materializa a imagem do escritor Lima Barreto e reatualiza na sua narrativa alguns elementos temáticos do romance Clara dos Anjos, como a discriminação e o preconceito racial. Nesse conto, o nome da protagonista não é revelado, mas se pode remeter à figura de Clara dos Anjos do romance de Lima Barreto. Desse modo, as duas obras apresentam semelhanças e diferenças diálogos intertextuais nos episódios narrados e nas formas de denúncia às relações de preconceito racial, abrindo espaço para as vozes femininas e negras.

REFERÊNCIAS
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