O teste do pezinho, por Sueli Carneiro

Foto: Marcus Steinmayer

O Correio Braziliense de 15 de junho trouxe na coluna Últimas a nota Ampliando o teste do pezinho. Nela consta que “Até setembro, todos os 26 estados terão redes de triagem neonatal. Isso significa que cada uma das 3 milhões de crianças que nascem anualmente no país fará o “teste do pezinho”, hoje feito em apenas 60% dos recém-nascidos. A determinação consta da Portaria 822, assinada pelo ministro da Saúde, José Serra, semana passada. Além de ter a cobertura ampliada, o exame vai diagnosticar mais duas doenças: a fibrose cística e a anemia falciforme.”

Por Sueli Carneiro

O teste do pezinho em recém-nascidos para detecção da anemia falciforme, doença genética que estima-se atinge em torno de 10% da população afrodescendente na qual é prevalente, e 2% de outros grupos étnicos, é uma das mais antigas reivindicações dos negros brasileiros em termos de saúde pública. Portanto recebe-se com grande entusiasmo a portaria do Ministério da Saúde que assegura em nível nacional a triagem neonatal para a identificação dessa entre outras doenças genéticas e ainda não curáveis.

Mas, o teste do pezinho é, segundo os especialistas e os ativistas negros da área da saúde, apenas a porta de entrada para o tratamento dessa doença que consiste na maior doença genética do país e que faz com que os seus portadores tenham uma esperança de vida em torno de 20 anos em função da ausência de diagnóstico precoce e de tratamento adequado. Em países em que isso ocorre como por exemplo nos EUA, a esperança de vida dos portadores de anemia falciforme chega a atingir até 65 anos.

Por isso, preocupa a ausência de informação sobre a articulação dessa importante iniciativa do Ministério da Saúde com uma política de atenção, pela rede pública de saúde, aos portadores dessa doença. Teme-se que a portaria do Ministério da Saúde não avance no sentido de integrar o teste do pezinho para anemia falciforme no contexto mais amplo de implantação do PAF/MS – Programa de Anemia Falciforme do Ministério da Saúde de agosto de 96 – desenvolvido por um Grupo de Trabalho instituído pelo Ministério da Saúde composto de especialistas em saúde da população negra, encarregado de pensar uma política nacional para a anemia falciforme que resultou no PAF/MS. Segundo uma de suas formuladoras, a médica Fátima Oliveira, o PAF prevê, para além do diagnóstico neonatal a todas as crianças nascidas em hospitais, “a busca ativa de pessoas acometidas pela doença; a promoção da entrada no programa de pessoas diagnosticadas e que venham a ser diagnosticadas, a ampliação do acesso aos serviços de diagnóstico e tratamento de qualidade; o estímulo e apoio ás associações de falcêmicos e ás instituições de pesquisa; a capacitação de recursos humanos; a implementação de ações educativas e questões referentes á bioética, tais como: o teste de anemia falciforme só será realizado após consentimento livre e esclarecido, além do que há o compromisso ético de garantir o direito á privacidade genética que inclui o direito ao sigilo e á não discriminação e ainda comissões de bioética.” O PAF/MS recomenda também que a sua implementação deve se “iniciar com medidas que possam ser realizadas a curto prazo, tais como: organizar o cadastramento dos pacientes e dos centro de referência; desenvolver projetos educacionais: cursos técnicos e práticos dirigidos a profissionais de saúde; incluindo quesitos relativos ao aconselhamento genético e aos aspectos éticos; garantir a disponibilidade dos imunobiológicos e medicamentos básicos aos pacientes com doença falciforme.

Em função de todas essas questões, considera-se que a mera oferta de diagnóstico (se for esse o caso da referida portaria) sem a retaguarda de tratamento para o recém nascido, suas famílias e falcêmicos em geral, pode provocar uma situação de mais aflição e desamparo pelo aumento da demanda e inexistência de atendimento efetivo no sistema público de saúde.

Nesse clima de absoluto pessimismo que assola o país, em especial em relação aos nossos dirigentes, uma notícia recente do noticiário internacional elevou a auto-estima dos brasileiros: o reconhecimento da excelência do Programa de Combate a AIDS do Brasil, que já se constitui em referência para o mundo pelo acesso que os pacientes tem ao tratamento, pelo barateamento do custo dos medicamentos, pelo aumento da qualidade e da esperança de vida dos portadores do vírus e pelas mortes prematuras já evitadas.

A implantação do PAF, nos moldes em que ele está concebido permitiria alcançar os mesmos resultados positivos que vimos conseguindo em relação ao combate a AIDS, a um custo menor, e para um número muito maior de pessoas do que aquelas contaminadas pelo HIV.

É portanto, um desafio pequeno para o Ministério da Saúde, diante da batalha que vem sendo travada e, felizmente, até o momento, vem sendo vencida pelo ministro José Serra, para assegurar o direito das vítimas da AIDS ao tratamento e uma qualidade de vida digna. Os falcêmicos esperam do ministro a mesma sensibilidade e compromisso em relação a sua saúde e as suas vidas.

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