“Obrigado, Iowa!”

Foto: João Godinho

Ainda que a distância ideológica entre um republicano e um democrata seja zero, com democrata na Casa Branca o mundo é sempre outro

Por Fátima Oliveira

Enquanto no Quênia a deterioração da situação política atinge a barbárie, com centenas de mulheres e crianças, quase todas da tribo do presidente Mwai Kibaki, os kikuyu, sendo estupradas nos confrontos pós-eleições presidenciais, evidenciando a atualidade cruel da prática de guerra de estuprar as mulheres dos inimigos tão-somente para humilhá-los, um descendente de queniano discursava dizendo: “Obrigado, Iowa!”

“Foi a esperança que me trouxe aqui, hoje. Com um pai que nasceu no Quênia, uma mãe que nasceu no Kansas e uma história que só poderia acontecer nos Estados Unidos da América, ouvi muitas vezes que este dia nunca chegaria.”

Era o senador por Illinois (capital: Springfield; a maior cidade é Chicago, que eu amo, com seu misterioso e belo lago Michigan – maior lago de água doce dos EUA e o quinto do mundo) Barack Obama, advogado e professor da Universidade de Chicago, vencedor das prévias de Iowa, que iniciam a corrida rumo à Casa Branca; hoje, único senador negro e, em um século e meio, o terceiro dos EUA. Com 46 anos, em primeiro mandato, é casado com a advogada Michelle e pai de duas meninas.

Barack Obama estudou ciência política na Universidade de Columbia (Nova York), em seguida foi para Chicago e por três anos atuou como “organizador de comunidades”. Em 1988, foi estudar direito em Harvard, onde foi o primeiro norte-americano de origem africana a presidir a “Harvard Law Review”. De volta a Chicago, era uma estrela nascente e cintilante da advocacia que rejeitou propostas de grandes escritórios para ser advogado de direitos civis, focando em vítimas de discriminação no emprego e na habitação. Na Universidade de Chicago, dizem que é uma sumidade em aborto, direitos de gays e ação afirmativa.

O especialista em política norte- americana Frank Unger, da Universidade Livre de Berlim, diz que as últimas eleições presidenciais dos EUA se tornaram “batalhas de personalidades”, pois “o sistema democrático dos norte-americanos é atávico, obsoleto e não reflete a democracia no sentido moderno. Objetivamente, o modo como a democracia dos EUA se desenvolveu não é mais adequado ao século XXI”. Reitero Thomas Bauer, do Centro de Política Aplicada da Universidade de Munique: “Os políticos precisam entender que tudo está realmente conectado a tudo. Não existe mais a opção isolacionista”, logo é crucial entender o “doméstico” da política norte-americana, pois ela repercute no cotidiano de cada ser humano. Até um espirro do presidente dos EUA reverbera em nossas vidas.

Continuo sem entender como pessoas de esquerda nos EUA em geral não votam. Consideram democratas e republicanos “farinhas do mesmo saco”. Têm alguma razão, porém ouso reafirmar que há diferenças, que são a tradução exata entre algo brochante e orgasmos múltiplos e arrebatadores, mesmo que incertos e esporádicos, pois ainda que a distância ideológica entre um republicano e um democrata seja zero, com democrata na Casa Branca o mundo é sempre outro. Nós, as mulheres, soubemos disso no dia da posse do primeiro mandato Bush, com o anúncio da Regra Global da Mordaça – restrição de fundos dos EUA para planejamento familiar e exigência de contrapartida de países e instituições de não uso até de fundos próprios para qualquer ação favorável ao aborto

O Partido Democrata brilha com duas candidaturas alvissareiras: Barack Obama e Hillary Clinton. Todavia, muita água pesada vai rolar até novembro. Obama é negro, senhor de si (um abuso afro!), com senso de humor, perfomance de rock star e história de vida fiel aos valores liberais. É o único que arranha o establishment democrata e republicano e abala o status quo racista dos EUA profundo. Dele se espera, a qualquer momento, que diga: “I have a dream” (eu tenho um sonho), como Martin Luther King Pode virar realidade.

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