Quantos vezes você já se consultou com um médico negro? Uma visita as fotos de formatura nas paredes dos cursos de Medicina no Brasil é mais uma evidência do racismo estrutural, um dos legados da escravidão por aqui.
Por Alexandra Lima da Silva, enviado para o Portal Geledés

Num país em que a maioria da população se autodeclara negra, é violento e doloroso constatar que o direito a uma formação para salvar vidas é também um privilégio, assim como o direito de viver.
Neste país de maioria negra, a existência de médicos negros acaba se tornando uma exceção, quando deveria ser a regra. Por isso, é importante dar visibilidade a experiência de médicos negros no Brasil, e compreender as estratégias de enfrentamento do racismo empreendidas por tais sujeitos.
Israel Antônio Soares Junior tinha acabado de se formar médico, quando, faleceu aos 26 anos, deixando esposa e três filhas.
A morte do jovem médico gerou forte comoção nos jornais cariocas em agosto de 1913. No anúncio da missa de sétimo dia pelo falecimento de Israel Soares Jr, a foto estampada no jornal A Imprensa de 1913 traz um homem negro de pele escura, de óculos e beca. Esta era a foto da formatura no curso de medicina.
Quando Israel Antônio Soares Junior nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1886, seus pais, Israel Soares e Antônia Botelho Soares já tinham conquistado a liberdade por meio de auto compra da alforria. Os avós paternos de Israel Júnior eram os africanos. Luíza, a avó paterna, era preta mina e com o esforço do próprio trabalho como quitandeira, comprou a alforria. Diferente da mãe, que era muçulmana, Israel Soares era católico e pertencia a irmandade religiosa da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Israel Soares, o pai de Israel Júnior, esteve a frente de uma escola noturna para escravizados e libertos em São Cristóvão e fez parte do movimento abolicionista carioca.
Com o apoio da família e da comunidade negra do Rio de Janeiro no início da República, Israel Soares Júnior estudou Farmácia, e após, concluir este curso, ingressou na Faculdade de Medicina. Recém-formado, abriu um consultório em São Cristóvão. Provavelmente, tinha o projeto de retribuir à comunidade que contribuiu para que um homem negro, jovem, filho e neto de escravizados, pudesse romper com as correntes do racismo estrutural e salvar as vidas. Mesmo com a ausência de políticas públicas de reparação da dívida histórica da escravidão, sujeitos como Israel Soares Junior, por meio da educação e do esforço familiar e comunitário, ousaram cantar as letras da liberdade.
*Alexandra Lima da Silva é doutora em Educação e professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
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